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O CIÚME NAS RELAÇÕES AMOROSAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DA PSICANÁLISE FREUDIANA
Juliana Salinas Verri, Hélio Honda

Última alteração: 2020-07-02

Resumo


O ciúme é um sentimento considerado normal que se faz presente na maioria dos relacionamentos, principalmente nos amorosos, sendo retratado pela literatura ao longo da história (ASSIS, 1996; HATOUM, 2000). Mas diante de atrocidades cotidianamente publicadas em jornais e noticiários (HOMEM, 2018; MULHER, 2018), como agressões mútuas entre casais e, sobretudo, casos de feminicídio, interessamo-nos por esclarecer como o ciúme pode ser vinculado ao amor se, quando em excesso, pode levar a ações totalmente contrárias a ele. Visto que o ciúme patológico afeta muitos relacionamentos, esta pesquisa bibliográfica de caráter exploratório buscou averiguar as origens do ciúme a fim de entender a sua complexidade psicológica por meio de um viés psicanalítico.O termo ciúme é originalmente derivado do latim zelus, que significa excesso de cuidado (FERREIRA, 2010). Dessa forma, considerando que o amor exige cuidado, podemos traçar relações entre esses dois sentimentos presentes nos vínculos amorosos. Para a psicanálise, o ciúme permeia nossas relações amorosas mais originárias, por isso é fundamental compreender, primeiramente, como se estabelecem essas relações amorosas iniciais para depois entender o ciúme.O amor pode ser entendido como um investimento de libido em um objeto produtor de satisfação, e para entender tal definição devemos levar em conta três conceitos psicanalíticos: pulsão, libido e objeto. A pulsão é um conceito que designa processos que ocorrem na fronteira entre o somático e o psíquico, por isso é considerado por Freud (1976; 2010), um conceito complexo, composto por quatro elementos conceituais: 1) a fonte da pulsão, que corresponde sempre a algum órgão ou região do corpo; 2) a pressão pulsional, que designa a excitação originada no corpo e que impõe trabalho ao psiquismo, pressionando por descarga, pois o acúmulo de excitação é gerador de desprazer; 3) a meta ou alvo da pulsão, que visa sempre a satisfação ou prazer, obtido mediante a eliminação da excitação; e 4) o objeto da pulsão, que seria uma ideia ou representação psíquica relacionada a algo do mundo que possibilita alcançar a meta pulsional, ou seja, a satisfação. De acordo com essa concepção, a libido é definida por Freud (1976) como uma vontade ou força impulsora semelhante à fome, mas ligada às excitações originadas pelas pulsões sexuais. Já o objeto é um meio de satisfação libidinal, porém não é qualquer objeto que proporciona satisfação, a escolha do objeto está relacionada à história e singularidade de cada um, ou seja, os objetos mudam de pessoa pra pessoa. Por isso, conforme mencionado antes, uma ligação amorosa é descrita pela psicanálise como um investimento libidinal em um objeto que proporciona satisfações pulsionais.A partir da compreensão do amor, o ciúme, definido como excesso de zelo, pode ser considerado como um excesso de investimento libidinal sobre o objeto de amor, ou seja, são perturbações no investimento libidinal provenientes do excesso de cuidados e do sentimento de posse.Mas como a psicanálise explica o aparecimento do ciúme na vida amorosa de um adulto? De forma mais específica, a psicanálise ressalta que o ciúme na vida adulta é a expressão do retorno de conteúdos reprimidos, oriundos das primeiras e mais significativas vivências amorosas da pessoa, no caso, das vivências de rivalidade e ciúme em relação às figuras parentais, originados em uma determinada etapa do desenvolvimento psicossexual da criança. Trata-se de uma fase em que a criança, imaginando-se até então o polo de atração do amor e do cuidado maternos, percebe que a atenção da mãe não é totalmente voltada a ela, pois é dividida entre o pai e os irmãos. Assim a criança que inicialmente pode ter tomado o pai como objeto de admiração ou modelo, passa a vê-lo também como rival, tornando-se objeto de ódio. Instala-se assim um sentimento ambivalente em relação a um mesmo objeto. Com a intensificação dos conflitos e o poderio incomparável das restrições culturais impostas aos desejos infantis, normalmente os sentimentos ambivalentes, hostis e amorosos dessas vivências, conhecidas como complexo de édipo, tendem a ser dissolvidos, deixando de produzir efeitos significativos na vida afetiva posterior.Porém, quando os impulsos edipianos não são dissolvidos e elaborados de modo satisfatório, eles podem sofrer repressão, permanecendo ativos fora da consciência, podendo retornar e voltar a se manifestar na vida adulta. Portanto, entendendo que todo conteúdo que sofre repressão permanece ativo de modo inconsciente, Freud (1990) considera que a fonte do ciúme está no Inconsciente. Verificamos que Freud (1996) classificou o ciúme em três tipos: o competitivo ou normal, o projetado e o delirante, sendo os dois últimos apontados como patológicos, enquanto que o primeiro é considerado normal em qualquer relacionamento. O ciúme normal ou competitivo seria uma continuação da expressão das primeiras manifestações emocionais da vida da criança, conforme descritas acima. Os impulsos envolvidos nesse tipo de ciúme não teriam sofrido repressão na fase de dissolução do complexo de édipo, pois seriam manifestações de ciúme e rivalidade consideradas normais ou leves pelo meio circundante; ou se tivessem sido vistas como intensas, o meio teria auxiliado na elaboração e sublimação desses impulsos de ciúme infantil; logo, em ambos os casos não teria havido repressão dos impulsos de ciúme e rivalidade infantis, e nada teria permanecido inconsciente. Mesmo apresentando algum grau de irracionalidade, esse tipo de ciúme ainda pode ser considerado normal já que se manifestaria em nível moderado, podendo ser reconhecido pela pessoa e solucionado mediante reflexão e uso de recursos disponíveis à consciência, já que não se trataria de conteúdos reprimidos.Quanto ao ciúme projetado, apontado como patológico, adviria de impulsos infiéis da própria pessoa, impulsos que, por não serem admitidos, acabariam sendo reprimidos e projetados no parceiro. Ou seja, esses desejos de traição, não sendo aceitos pelo sujeito são transferidos para o outro, de modo a se livrar da culpa por pensar ou fazer algo considerado errado, como se fosse o parceiro quem apresentasse impulsos de infidelidade.Já o ciúme delirante, seria moldado a partir do anterior, também com a participação do mecanismo de projeção, porém os impulsos projetados, além de infiéis, seriam homossexuais. Nesse tipo de ciúme, o indivíduo negaria tanto seus desejos como sua sexualidade e transferiria esses conteúdos ao outro, criando fantasias inconscientes que o fazem acreditar que tais impulsos emergem do outro. Assim, o delírio presente nesse tipo de ciúme surge como um sintoma, de modo a proteger o psiquismo desse conflito psíquico.Vimos, assim, no decorrer da pesquisa, que para compreender o ciúme pelo viés psicanalítico, é necessário estudar as ligações amorosas originárias, pois principalmente no caso do ciúme considerado patológico na vida adulta, suas raízes encontrar-se-iam em conteúdos infantis reprimidos. Sendo assim, foi de fundamental importância para a pesquisa entender o amor e posteriormente, a partir dessa base, o ciúme. Considerando o interesse específico em saber como e quando o ciúme surge, a pesquisa possibilitou compreender a importância do estudo do complexo de édipo, pois seriam oriundos dessa fase sentimentos e impulsos que, se não satisfatoriamente elaborados e dissolvidos na relação da criança com o meio, podem sofrer repressão deixando restos que permanecem no inconsciente até que sejam despertados e voltem a se manifestar. Por fim, consideramos que os resultados da pesquisa podem servir não apenas para sanar a curiosidade de quem busca saber mais sobre como a psicanálise entende o ciúme, mas também para subsidiar futuros trabalhos acadêmicos acerca dessa temática, que proporcionem conhecimentos que podem ser utilizados nas práticas clínicas.


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