Última alteração: 2017-11-16
Resumo
Segundo Canizares e Filho (2011), o trabalho ocupa um importante espaço na vida humana, constituindo um regulador da organização da vida. A perda desse vínculo pode causar uma desestabilidade emocional, social e funcional. Com a chegada da velhice, além do envelhecimento biológico, a maioria dos idosos passa a sofrer com a marginalização social, que faz com que perca sua identidade de indivíduo produtivo e passe a ter a identidade de aposentado. Segundo Santos (1994), a identidade é consolidada na percepção do sujeito de seu poder sobre si, os outros e os acontecimentos. O sentimento de desvalorização do grupo social pode atingir sua identidade pessoal. Na aposentadoria, os valores atribuídos pelos meios sociais, dispõem de, segundo Alvarenga et. al. (2009), ampla influência, visto que, lembram a pessoa da aproximação da velhice e, da improdutividade econômica. Há também os valores do indivíduo relacionados à sua história de vida, relações com a sociedade, papel profissional, a maneira de enfrentar perdas e, adaptação às novas situações. Se a pessoa possui outra forma de satisfação, além do trabalho, a construção de sua identidade de aposentado torna-se mais simples de ser realizada. Portanto, se para alguns a aposentadoria é assimilada de forma positiva, proporcionando reorganização da vida, para outros é prejudicial, afetando a estrutura psíquica, desencadeando ansiedade, depressão, irritabilidade, insatisfação e, redução da qualidade de vida. Quando ocorre a aposentadoria, as perdas associadas ao afastamento do trabalho, como status, condição financeira, relacionamento, rotina, impactam também na subjetividade desses trabalhadores. Portanto a reação do indivíduo diante da aposentadoria está ligada à sua história de vida, relações com a sociedade e sua profissão. Compreendendo-se o lugar do trabalho na vida do indivíduo, pode-se ter uma percepção de como irá vivenciar o desligamento do trabalho. Segundo Alvarenga et. al. (2009), “a aposentadoria pode ser vivenciada como uma ruptura imposta pelo mundo externo, gerando frustração e sentimento de esvaziamento” (p. 800), já que o trabalho estava atrelado à identidade.Uma das profissões que mais sofreu alterações foi a de bancários, pois foi atingida duramente durante a década de 90 do século passado pela reestruturação produtiva. Segundo Merlo e Barbarini (2002) no trabalho de bancário, houve uma desqualificação do trabalhador devido ao desenvolvimento da tecnologia e mudanças na gestão. No caso dos aposentados bancários, já houve a perda da identidade profissional, quando se exigiu maior qualificação e uso de tecnologia em suas atividades profissionais – havendo-se a possibilidade de se sentirem improdutivos antes mesmo de se aposentarem. Sendo assim, após a aposentadoria, estes sentimentos de improdutividade podem se agravar ainda mais, segundo Santos (1994).Essa pesquisa teve por objetivo geral conhecer as possíveis consequências psicossociais da aposentadoria para os bancários aposentados. A pesquisa de campo realizada foi a qualitativa, com a utilização de entrevistas semiestruturadas, a qual foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Os sujeitos foram cinco trabalhadores bancários aposentados, com três a treze anos de aposentadoria pelo INSS. Quatro trabalharam em instituições públicas e apenas um trabalhou em banco privado. O primeiro contato foi feito com um sujeito da relação social da pesquisadora, o qual indicou outros, gerando o chamado “efeito bola de neve”, uma forma de amostra não probabilística que utiliza cadeias de referência. Para a análise dos resultados, foi utilizada a análise de conteúdo temática. Após a análise dos resultados pudemos perceber que a aposentadoria foi vista de forma mais positiva do que negativa pelos cinco entrevistados. Sentimentos apontados na literatura como insegurança, dificuldade de adaptação, frustração, apontados por Zanelli (2012), não foram observados nos aposentados em questão. Quando relatados, os entrevistados se referiam a eles como superados, ficando mais marcadas as vantagens e pontos positivos, que para alguns, representam novas conquistas, liberdade, desenvolvimento pessoal, podendo agora executar o que as obrigações do dia-a-dia impediam (Zanelli, 2012). Ao se aproximar da aposentadoria, o sentido do trabalho pode mudar e pode-se tanto sentir alívio ao se livrar das obrigações, e oportunidade para realização de novos projetos, como pode causar um estresse muito grande e a sensação de perdas insuperáveis. Dessa forma, os entrevistados apresentaram mais essa visão de liberdade, de novas rotinas e de alívio pelo tempo livre. Acreditamos que essa constante referência à visão de aposentadoria como liberdade, de ser dono de seu tempo possa ser relacionada à alta exigência por cumprimento de metas imposta após a reestruturação produtiva no setor, relatada por todos os entrevistados. O período da aposentadoria caracteriza-se, para esses bancários, como libertador, como alívio do estresse e oportunidade para cuidar da saúde, antes deixada de lado para cumprir o objetivo da empresa. Por meio das entrevistas, percebe-se que há forte ligação entre a saúde do trabalhador e a forma como o trabalho se organiza, pois relacionam fatores como estresse, doenças como diabetes, cardíacos, insônia e problemas cervicais ligados ao trabalho que exerciam, muitas vezes culpabilizando-se pelas doenças desenvolvidas. Pode-se perceber claramente o que Grisci; Bessi (2004) falam do modo de gestão nas novas práticas administrativas, que envolvem a primazia do êxito, a supervalorização da ação, a obrigação de ser forte, a adaptabilidade e o desafio permanentes, recompensas materiais individualizadas, polivalência da mão-de-obra e recrutamento seletivo. Ignorando aspectos da vida do trabalhador enquanto ser integral, a gestão tenta conseguir sua mobilização total para o projeto da organização, criando uma ambivalência: o sujeito experimenta um sofrimento psíquico devido às mudanças ocorridas com a reestruturação produtiva, e ao mesmo tempo, com as novas práticas de gestão, há uma mobilização total ao projeto da organização: ele “veste a camisa” e “dá seu sangue”, tentando produzir o máximo que pode, fazendo hora extra e trabalhando nos finais de semana e feriados, para assim se sentir merecedor desse lugar conquistado. Percebe-se nas falas uma individualização, isto é, a vivência do sofrimento como algo intrínseco ao jeito de ser de cada indivíduo, e cada um precisa buscar o “equilíbrio”, não questionando a organização do trabalho como a causadora de tais males. Foi ele, o bancário, que não soube buscar o equilíbrio necessário. Roesler (2012), fala de discursos que apontam a responsabilidade da visão sobre envelhecimento ao indivíduo e aos aspectos psicológicos, desconsiderando o social. O indivíduo faz um recorte e se coloca como sujeito de sua vida, assumindo, sozinho, a responsabilidade por suas escolhas, desconsiderando os contextos em que está inserido, os obstáculos reais que se interpõe entre ele e seus desejos. Quanto aos motivos levantados para a aposentadoria, surgiu o sentimento de “estar ficando para trás” o planejamento da aposentadoria desde o ingresso no banco, que seria realizado assim que tivesse o tempo de trabalho necessário; o tempo livre; excesso de stress no trabalho; estabilidade financeira alcançada; acidente que levou ao afastamento do banco por determinado período e, mudança do setor em que trabalhava para outra cidade. Os aposentados falam sobre o replanejamento das funções de cada um na rotina de casa; sobre como passaram a se preocupar e cuidar da saúde; que houve a libertação dos horários do banco, podendo escolher a maneira de ocupá-lo; a nova rotina e novos objetivos; sobre o planejamento de ficar um ano descansando e voltar a trabalhar. Para Bressan et al. (2013), citado por Antunes e Moré (2014), o planejamento financeiro, a saúde e, os relacionamentos familiares, se constituem em fatores-chave que contribuem para o bem estar na aposentadoria. Os resultados aqui obtidos encontram respaldo em Roesler (2012) que aponta que de quinze entrevistados, apenas três encararam de forma positiva a aposentadoria, sendo que eram três trabalhadores de banco público. Desse modo, como a maioria dos entrevistados dessa pesquisa (quatro, dos cinco) trabalhou em banco público, pôde-se inferir que a estabilidade e segurança dessa instituição influem na forma do indivíduo encarar a aposentadoria. Pelos resultados concluímos que a forma como o trabalho é vivenciado durante toda a vida do bancário deixa marcas tanto objetivas como subjetivas, influenciando na construção da identidade desses trabalhadores e consequentemente afetam como vivem e dão significados à chegada da aposentadoria.