Portal de Eventos - UEM, XVIII Semana da Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. IV Seminário de Integração do PRO Saúde PET Saúde

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DIÁLOGOS ENTRE A PSICOLOGIA E A FISIOTERAPIA: UMA EXPERIÊNCIA DE INTERVENÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR
Bianca Marques Longo

Última alteração: 2017-11-13

Resumo


O exercício da interdisciplinaridade constitui-se um desafio para os profissionais da área da saúde, e na especificidade da saúde do(a) trabalhador (a), uma necessidade urgente, haja vista, a complexidade das questões que envolvem o trabalho, que para além de um emprego, constitui-se uma atividade humana que nos diferencia dos demais seres vivos. Esta atividade repercute na vida e produz um impacto em nosso cotidiano, nos mais distintos aspectos, sejam eles econômicos, políticos, morais, entre outros. Este impacto, muitas vezes, pela falta de condições digna e decente de trabalho, expõe os trabalhadores a riscos de acidentes e adoecimento. Situação agravada pelo descaso e perdas de direitos e garantia de saúde pelo trabalho, em que o trabalhador se vê “sozinho”, desprotegido e com seus direitos cada vez mais fragilizados. E no contexto do trabalhador público, tal situação se torna mais complexa, visto que ter o Estado como patrão, significa estar à mercê do descaso e do jogo político do governo, sendo que a saúde destes trabalhadores não entra na agenda dos gestores, o que agrava o estado de desproteção e desamparo. Portanto, intervir em saúde do trabalhador no serviço público implica em compreender essas múltiplas dimensões que envolvem o trabalho nestas instituições e entender, também, que o trabalho é uma categoria constituinte do psiquismo, da identidade dos trabalhadores, com implicações diretas no modo de viver, existir, adoecer ou até morrer de cada cidadão.

É nesta perspectiva que o projeto de extensão Atenção à Saúde do(a) trabalhador (a); desenvolvido por docente e discentes do curso de Psicologia, da Universidade Estadual de Maringá e discentes do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Ingá-Uningá, orientado pela Professora Maria Aparecida de Moraes Burali, do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Professora Ely Cléa da Silva Zanatta , do Departamento de Fisioterapia, do Centro Universitário Ingá-Uningá, Maringá-PR; tem atuado, com o objetivo de oferecer um espaço de atenção, acolhimento, escuta, e cuidado aos servidores que ao passar por exame periódico, no Serviço Especializado em Medicina e Segurança no Trabalho apresentam queixas de saúde relacionadas com o trabalho.O caminho construído para atender a demanda tem se consolidado mediante a atuação conjunta entre discentes e docentes da psicologia e da fisioterapia, com diálogos permanentes, neste exercício de construir intervenções com o foco na interdisciplinaridade, como objetivo de oferecer uma atenção numa perspectiva de integralidade no acolhimento e cuidado aos servidores e, isso se constituiu o objetivo deste trabalho, relatar a experiência de intervenção junto às zeladoras da Universidade Estadual de Maringá, neste exercício da interdisciplinaridade como espaço de atenção integral, quanto espaço de aprendizado diretamente ligado à formação profissional dos discentes para intervir e atuar em saúde do trabalhador.

O trabalho interdisciplinar se constrói como uma prática fundamental para o desenvolvimento profissional, pois, oportuniza e agrega diferentes saberes profissionais, possibilitando uma intervenção focada na atenção integral à saúde dos trabalhadores, oferecendo, uma atenção e um cuidado mais humanizado, tendo como foco o sujeito e não a doença. A abertura do diálogo entre as áreas de saber possibilita repensar papéis e relações de poder, além de discutir acerca dos conteúdos já instituídos historicamente (ROSA, 2014; COSTA, 2007).

É nessa perspectiva que as intervenções vêm ocorrendo, para atender a demanda da zeladoria, que nos exames periódicos realizados no SESMT, apresentaram queixas osteomusculares, com níveis variados de comprometimento. Essa demanda, e tendo por base a especificidade das queixas, gerou a necessidade de um trabalho compartilhado entre a psicologia e a fisioterapia, pois, entende-se que a partir da conscientização dos limites de cada campo e uma maior abertura ao trabalho coletivo, somente começam a surgir quando ambos estão implicados no processo de mudança e valorização da pessoa em sua dignidade.

A perspectiva teórica que orienta o olhar para a atuação em saúde do trabalhador, é o da psicologia social do trabalho (BERNARDES, 2015) e a metodologia utilizada, consiste na aplicação de um inventário de saúde, embasado no instrumento da anamnese ocupacional, que teve o intuito de verificar detalhadamente as queixas laborais, como forma de oferecer um panorama acerca das condições de saúde e trabalho das mesmas, assim, foi constatada quais as condições de saúde das servidoras e, também, o interesse em serem atendidas pelo projeto. Com isso, foi iniciado o atendimento em grupo dessas servidoras. Essas intervenções são referenciadas pelo método de roda de conversa (CAMPOS, 2000) e desenvolvidas por meio de dinâmicas de grupo, ginásticas laborais, exercícios para relaxamento e orientações posturais.

A fim de criar uma identidade para o grupo, este foi nomeado, “Espaço Saúde e Movimento”, relacionando a atuação da psicologia com a fisioterapia. Os encontros acontecem uma vez por semana, com duração de uma hora e participam em torno de dez a quinze zeladoras. Já foram realizados cinco encontros e até dezembro de 2017, serão totalizados 12 encontros.De início, foi informado para as trabalhadoras da zeladoria o objetivo dos encontros, as atividades propostas a serem desenvolvidas e também foramacordadas as condições de funcionamento do grupo, como, horários, datas e local. Para cada encontro, é realizado um planejamento semanal, com todos discentes e as coordenadoras do projeto, no qual todas as atividades são construídas a partir das questões que emergem no grupo, na troca permanente de saberes e fazeres da psicologia e da fisioterapia. Nesse sentido, a metodologia construída nos encontros, foi rodas de conversa e dinâmicas de grupo, envolvendo e promovendo integração e descontração, ginásticas laborais, tendo como elemento sensibilizador o cuidado de si, a percepção corporal, para gradativamente, as participantes voltarem sua atenção para uma análise coletiva do trabalho cotidiano e a sua relação com as queixas apresentadas, para pensar, dentro das limitações institucionais, quais possibilidades para se pensar a prevenção neste contexto.

Ao que se refere à ginástica laboral aplicada ao grupo em questão, mediante o período em que os encontros acontecem, foram eleitos exercícios pertinentes a Ginástica Laboral Compensatória. Este tipo de ginástica compreende exercícios de alongamento muscular, relaxamento, fortalecimento e coordenação motora (OLIVEIRA, 2007), objetivando a prevenção de vícios posturais e fadiga muscular, bem como a promoção do equilíbrio funcional (LONGEN, 2003). Deste modo, viabiliza o distensionamento dos músculos mais solicitados durante as atividades laborais, e o fortalecimento daqueles menos utilizados durante estas atividades, propiciando a compensação e o equilíbrio entre os grupos musculares agonistas e antagonistas (KOLLING, 1980).

Além disso, de modo a contribuir com a ginástica laboral no sentido de torná-la mais específica ao perfil do grupo, foi realizado um rastreio para queixas osteomusculares por meio do diagrama proposto por Corllet e Manenica (1980). Este diagrama detecta as queixas de dor/desconforto presente nos segmentos corporais por meio da ilustração do corpo humano dividido em 22 segmentos dispostos a vista anterior; e também quantifica a intensidade da dor por meio de uma escala progressiva que varia de 1 a 5, sendo 1 a ausência de dor/desconforto e 5 dor/desconforto intolerável; neste aspecto, o trabalhador deve assinalar os campos correspondentes às regiões do corpo humano presentes na ilustração de acordo com suas respectivas queixas, bem como a intensidade de sua dor, de modo a possibilitar ao avaliador, a identificação dos segmentos pontuados pelo colaborador (IIDA, 2005). Após aplicação do diagrama referido, os resultados obtidos demonstraram a prevalência de sintomas nas articulações de punho e mão bilaterais, região cervical, costas médio e superior.

Essas informações subsidiaram o planejamento e execução dos exercícios de alongamento e fortalecimento específicos aos segmentos corporais, evidenciados pelo diagrama, somado a exercícios globais ativos, ora realizados individualmente, ora realizados em dupla, sendo estas disposições escolhidas, em consonância, com os objetivos e dinâmicas aplicadas pela psicologia e, ao final de cada encontro, são realizados exercícios de relaxamento, de modo a favorecer a redução da ansiedade, do estresse, e estimular a auto percepção.

Os resultados obtidos com o projeto, até o momento, são satisfatórios, pois, verificamos que a cada encontro, novas participantes se interessam pelo grupo e a participação da maioria vem sendo assídua. Oferecendo esse espaço que atravessa os saberes da psicologia e da fisioterapia, conseguimos criar um espaço de acolhimento em relação aos seus sofrimentos e necessidades em relação ao trabalho e em construção conjunta (trabalhadoras - psicologia - fisioterapia), buscamos alternativas em direção às transformações necessárias, dentro e fora do ambiente de trabalho, promovendo uma conscientização de luta por melhores condições saúde e trabalho, buscando assim, desenvolver melhor qualidade de vida.

Conclui-se que esta experiência de estudo e intervenção entre a psicologia e a fisioterapia, em saúde do trabalhador, tem sido muito exitosa, pois, demonstra a importância do quanto o diálogo entre os saberes, a construção compartilhada de fazeres e práticas podem garantir maior efetividade das ações em prol de uma atenção mais humanizada e integral aos trabalhadores. Outro aspecto, que esta atuação tem proporcionado é o exercício e aprendizado das habilidades necessárias para desenvolver um trabalho numa perspectiva interdisciplinar, como, respeito, compromisso, diálogo, companheirismo, humildade “intelectual”, atributos estes indispensáveis neste processo de atuar juntos e construir uma agenda em comum. Pensar, problematizar e construir uma prática efetivamente interdisciplinar em uma perspectiva coletiva necessita de disponibilidade e compartilhamento dos mesmos ideais, pois o produto do processo interventivo será atribuído e de responsabilidade de todos os integrantes da equipe. Ainda que o referido projeto tenha uma ação tímida, considerando o porte da instituição, outro aspecto, que a equipe tem aprendido é que o trabalho interdisciplinar de cunho coletivo pode gerar uma maior visibilidade institucional e credibilidade junto aos trabalhadores, visto que, “o coro de mais vozes, possui maior alcance” e, esse tem sido um direcionamento para a ampliação das ações do projeto.

 

Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Interdisciplinaridade. Acolhimento.

 

Referências

BERNARDES, M. H. , et al. A práxis da Psicologia Social do Trabalho: reflexões sobre possibilidades de intervenção. In: COUTINHO, M. C; FURTADO, O; RAITZ, T. G. (Org.). Psicologia social e trabalho: perspectivas críticas. Florianópolis: ABRAPSO,p. 16-39, 2015.

 

CAMPOS, G. W. S. .Um método para co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção do valor e a democracia nas instituições. São Paulo: Hucitec, 2000.

 

CORLETT, E. N.; MANENICA, I. The effects and measurement of working postures. Applied Ergonomics, v. 11, p. 7-16, mar. 1980.

 

COSTA, R. P. Interdisciplinaridade e equipes de saúde: concepções. Mental, ano V, n 8, Barbacena, p.107-124, jun, 2007.

 

IIDA, I. Ergonomia: projeto e execução. 2ª ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.

 

KOLLING A. Ginástica laboral compensatória. Revista Brasileira de Educação Física e Desporto. n. 44, p. 20-3; São Paulo, 1980.

 

LONGEN, W. C. Ginástica laboral na prevenção de ler/dort?um estudo reflexivo em uma linha de produção. Dissertação de mestrado em Engenharia de Produção. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2003.

 

OLIVEIRA, J. R. G. A importância da ginástica laboral na prevenção de doenças ocupacionais. Revista de Educação Física. n. 139(1), p. 40-9. Rio de Janeiro, 2007.

 

ROSA, M. K. Saúde do Trabalhador: Estratégias do trabalho interdisciplinar com foco na gestão, saúde e trabalho. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2014.