Portal de Eventos - UEM, XVIII Semana da Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. IV Seminário de Integração do PRO Saúde PET Saúde

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O TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DA UNIVERSIDADE: UMA POSSÍVEL COMPREENSÃO DO ADOECIMENTO DO PROFESSOR
Émily Laiane Aguilar Albuquerque

Última alteração: 2017-11-13

Resumo


A proposta deste estudo foi tentar compreender os processos psicodinâmicos, sociais e históricos que estão relacionados ao adoecimento do professor universitário. Para tanto, foi realizado uma pesquisa informal com os docentes do Programa de Pós-graduação do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) com a finalidade de compreender melhor, de forma concreta, os diferentes tipos de adoecimento do professor devido ao seu trabalho. Tendo em vista, que a saúde do trabalhador não é algo independente do mundo externo ao indivíduo, estando relacionada ao Estado, instituições, a cultura e ao processo sócio histórico do modo de organização do trabalho.

Entende-se que a saúde do professor faz constantemente compromissos com a realidade, mudando-a, reconquistando, ou seja, ambas estão concomitantemente em transformação. Dejours (1986) ressalta a importância da liberdade do sujeito na organização do trabalho, o qual se insere no agir individual e coletivo, nas divisões de tarefas e principalmente, nas relações entre os indivíduos. Entretanto, o que tem acontecido com a universidade e seus professores é cada vez mais, a perca de autonomia. Segundo Chauí (2001) o modo de produção a serviço do capital reforça privilégios e desigualdades no corpo docente, dividindo hierarquicamente pesquisadores e professores, além de levar a uma perda de identidade e autonomia no corpo docente, assim, a ausência do princípio democrático de liberdade.

Dessa forma, esse texto pautado na psicodinâmica do trabalho e na compreensão social, política e histórica do trabalho do professor no contexto da universidade se faz relevante nos dias atuais, uma vez que, há uma desvalorização do trabalho do professor universitário pelo Estado, que além de sucatear as universidades públicas, reluta em reconhecer o papel do conhecimento científico, do ensino e da extensão. Assim, a realidade externa, juntamente com os processos psicodinâmicos do professor interferem para que ocorra o adoecimento, resultando em sérios sintomas, como afirma Dejours (1987) ao fazer uma crítica ao modelo taylorista relata que a organização do trabalho é responsável para que haja um bom funcionamento psíquico do trabalhador, assim dependendo de como for as vivências no contexto de trabalho podem levar ao sofrimento, expresso por meio de sintomas específicos relacionados ao contexto sócio profissional e também conforme a estrutura de personalidade de cada trabalhador.

Nesse sentido, antes de tentar compreender os aspectos relacionados a saúde mental do professor dentro de uma universidade, é importante que haja uma compreensão da dimensão histórica, econômica e sociocultural construída ao longo do desenvolvimento da modernidade. De acordo com Machado e Bianchetti (2011) é necessário explorar as relações que a universidade, ciência, governos e economia foram estabelecendo durante os anos, bem como os compromissos que foram sendo acordados entre essas instâncias.

A ciência e a universidade têm seu primeiro enlace com a economia e o governo no final da Segunda Guerra Mundial, em que o Presidente dos E.U.A, Roosevelt solicita mais investimentos científicos nas universidades para que haja na economia novas formas de aplicações tecnológicas. Este exemplo, seria a primeira forma de investimento feito com recursos públicos na educação, no sistema científico de um país. De acordo com Chauí (2001) os investimentos na educação se intensificaram devido a crise geral do capitalismo, que ocorreu nos anos 70 e a crise do estado de Bem-Estar ou crise-fiscal do Estado.

Nas décadas seguintes, o pensamento era de que o conhecimento e a educação são fundamentais para o crescimento econômico e social dos países. Além disso, a ideia de que o conhecimento científico seria fundamental para inovações tecnológicas também era bastante difundida pelos países mais desenvolvidos. É nesse contexto que a sociologia passa a estudar a sociedade pós-industrial, permitindo que o conceito de capital humano se vincule a ideia de crescimento educacional e ao de recursos financeiro. Aos poucos, a noção de educação, ciência e tecnologia ganham força, principalmente nos E.U.A., diferentemente das universidades que tiveram pouca participação e investimentos, apesar de serem elas que possuem o papel de formar cientistas e de produção científica (MACHADO E BIANCHETTI, 2011).

Por este caminho, Chauí (2001) afirma que a universidade brasileira estando inserida no contexto econômico neoliberal, se tornou alvo dos interesses do capital. Com relação ao corpo docente, a universidade pública tem aceitado de forma passiva a privatização desse ensino, vem aceitando a separação entre docência e pesquisa, permitindo que os títulos universitários sejam utilizados como forma de hierarquizar o ensino e separar ainda mais a graduação e a pós-graduação, que deveriam trabalhar juntas e se complementarem de forma mútua.

Além disso, a universidade se tornou refém de órgãos governamentais, por exemplo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o qual segundo Machado e Bianchetti (2011), foi criada com a função de mediar esses interesses, transpondo-os em demandas e exigências às universidades. Essas reformas nas universidades brasileiras, deixaram de formar professores e passaram a formar possíveis pesquisadores. Essas mudanças aconteceram em um ritmo acelerado, causando impacto na formação dos futuros professores, bem como na própria capacidade de pesquisar, havendo pouca clareza entre os professores que não sabiam o real sentido dessas mudanças estarem acontecendo, nem a necessidade e a justificativa.

Chauí (2001) relata que essas mudanças permitiram com que as pesquisas fossem financiadas de forma acrítica. As agências de financiamento/avaliação de pesquisas acabam ditando os prazos para dissertações e teses, impondo aos pesquisadores regras e critérios que contradizem a lógica própria do trabalho intelectual. Fazendo com que a universidade perca sua autonomia de investigação e pesquisa científica, além de permitir a privatização do ensino.

Segundo Biachetti e Machado (2011) o Brasil assim como outros países da América Latina realizarem grande quantidade de pesquisas científicas sob pressão de países desenvolvidos, principalmente os países europeus. Porém, diferentemente da Europa, os recursos do Brasil são completamente diferentes dos recursos europeus e as pesquisas científicas no Brasil nem sempre estão diretamente relacionadas aos problemas básicos da região, conforme as reais necessidades da sociedade.

Sendo assim, o trabalho dos docentes foi colocado à serviço da economia mercadológica. O setor empresarial prometendo redistribuição e benefícios sociais ganhou o apoio científico, acelerando pesquisas que pudessem trazer inovações e que aumentassem a competitividade, resultando no aumento de acumulação de bens para o capital. Porquanto, a aproximação da universidade com o mercado empresarial precisa ser olhada de forma crítica e combatida, assim como os modos de avaliação que são utilizados apenas como medidas classificatórias tanto para professores quantos para os alunos.  De acordo com Machado e Bianchetti (2011), a universidade em grande parte estaria redirecionando sua identidade aos interesses do capital, se desinteressando da verdade e passando a ser representada pelos setores privados. De forma que nos segmentos de pesquisas não precisa mais de fábricas e esteiras rolantes, pois os pesquisadores passaram a ser os novos trabalhadores explorados, se tornaram reféns do capital.

Nesse contexto, a partir do embasamento teórico, histórico e conforme os resultados da pesquisa feita com os professores do PPI, constatou-se que o modo de organização de trabalho nas universidades brasileiras, principalmente, as públicas estão insustentáveis. Há um excesso de trabalho, sobrecarga, cobranças e condições insalubres no contexto de trabalho dos professores universitários, o que ocasiona inúmeros sintomas, levando ao adoecimento psíquico.

Percebeu-se que a universidade e os professores se tornaram reféns do capital. Porquanto, o reconhecimento está relacionado com a quantidade de produção acadêmica, ao invés de se valorizar a qualidade, a relevância social e científica das pesquisas. Não havendo reconhecimento por parte do Governo brasileiro, que não investe no ensino público a fim de que se tenha as mínimas condições necessárias para dar aula (lâmpadas, bebedouros, ventiladores etc), cuja tentativa é de que se tenha cada vez mais, a privatização do ensino público em prol do capital.

Também, com este estudo constatou-se, o quanto os docentes estão inseridos na lógica do produtivismo acadêmico, que vem de uma tradição europeia em que possui uma realidade totalmente distinta da do Brasil, transpondo, assim, uma realidade colonizadora para a ciência brasileira. Assim, os professores frente a uma realidade desgastante, acabam criando recursos psíquicos, mecanismos de defesa como forma de enfrentar a realidade.

Segundo Mendes (2007), é possível que haja estratégias e alternativas para que haja professores saudáveis no contexto de trabalho, por exemplo o fortalecimento e o empoderamento desta classe trabalhadora, por meio do enfrentamento das imposições e pressões do trabalho que causam instabilidade física e psicológica.  Portanto, para que se tenha saúde no trabalho, é necessário que haja o desenvolvimento de capacidades de elaboração, imaginação e alternativas para o trabalho real, diferentes do trabalho prescrito. Sobre isso, a autora argumenta que as oportunidades oferecidas pela organização do trabalho são fundamentais em termos de liberdade de expressão pela fala e ação na realidade, visando emancipação e prazer do sujeito no cotidiano de trabalho.

Por esse caminho, para que os investimentos psíquicos possam ser utilizados coletivamente como estratégias pelos trabalhadores para confrontarem a organização do trabalho e transformarem a realidade, assegurando a saúde e evitando o adoecimento psíquico, é necessário que haja o reconhecimento do papel dos sindicatos, a fim de mobilizar o coletivo visando a tomada de consciência do papel dos professores universitários, seu poder e compromisso social, para que saiam do processo de trabalho alienante, da esteira de produção científica.

Cabe também à psicologia ter maior participação nos conselhos municipais e envolvimento político. Além de criar condições para que haja uma equipe de suporte de apoio aos docentes, no qual possam compartilhar e discutir suas experiências e sofrimentos, bem como refletirem em alternativas para mudar suas condições de trabalho e implementar projetos. Nesse sentido, melhores condições de trabalho está dentro desta perspectiva, de se ter condições mais favoráveis, ter um tipo de organização no trabalho que facilite, por exemplo, o trabalho coletivo, de fato. Entretanto, esse estudo está longe de ser esgotado, necessitando cada vez mais de pesquisas que denuncie as condições na qual os professores estão inseridos.

Palavras-chave: Professor universitário. Psicodinâmica do trabalho. Adoecimento.

 

 

Referências

CHAUÍ, M. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: UNESP, p. 9 - 72, 2001.

DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 14, n. 54, p. 7 - 11, 1986.

DEJOURS, C. A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez, 1987.

MACHADO, A. M. N; BIANCHETTI, L.  (Des) fetichização do produtivismo acadêmico: desafios para o trabalhador-pesquisador. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 51, n. 3, p. 244 - 254, 2011.

MENDES, A. M. Da psicodinâmica à Psicopatologia do trabalho. In____. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método, pesquisas. Casa do Psicólogo, 2007.