Última alteração: 2017-11-07
Resumo
Em 1951 o martinicano e revolucionário negro Frantz Fanon (1925-1961) compunha sua primeira dissertação para a conclusão do curso de psiquiatria: “Essai sur la désalienation du Noir, que posteriormente no ano de 1952 seria publicado com o título “Pele Negra, Máscaras Brancas”, onde discutia os problemas sócio-psíquicos do colonialismo. Considerado pela sua banca avaliadora como um trabalho “apaixonado demais”, ora por discutir de maneira poética ou cientifica, ora na primeira ou na terceira pessoa, Fanon diante do seu trabalho rejeitado precisou em algumas semanas escrever uma outra dissertação, dessa vez por sob a sua orientação, numa abordagem positivista. E assim o fez, defendendo com sucesso em 1951, entretanto, não deixando de importar os contextos socioculturais do existir humano. (FAUSTINO, 2015)
Por sob o título Pele Negra, Máscaras Brancas, a obra de Frantz Fanon rejeitada em um primeiro momento pela academia francesa, hoje é considerada uma das principais obras no mundo que diz respeito à temática das relações raciais, isso porque de acordo com Folharini e Souza (2016), Fanon se utiliza da alienação colonial como ponte de compreensão de sujeitos que mesmo em diferentes nações são embrutecidos pelo sistema do colonialismo e a sua ideologia: o racismo. Em conformidade com a lógica colonial e análogo ao comportamento empenhado pela banca de Fanon no ano de 1951, a psicologia brasileira, atualmente, nos parece também rejeitar a obra de Fanon, em suas rodas de discussão, suas práticas clinicas e de pesquisa, bem como em suas grandes curriculares. Como nos diz a filósofa Djamila Ribeiro, em sua fala no IV Colóquio de Feminismo Negro na cidade de Maringá no ano de 2017, o quanto é absurda a ausência de Fanon nas grades curriculares de psicologia no Brasil, uma vez que a referida obra é uma análise subjetiva das peles negras em situação de alienação colonial.
Posto isto, o presente texto tem como objetivo apresentar as principais contribuições da obra Pele Negra, Máscaras Brancas, do psiquiatra e filósofo martinicano Frantz Fanon para a ciência psicológica, no intuito de oferecer a partir da referida obra possibilidades de uma prática psicológica anti-racista. Sustendo no fenômeno colonial um dos fundamentos das relações humanas, não somente entre as pessoas de cor entre si e entre pessoas brancas, mas também das pessoas brancas entre si e entre pessoas de cor diferentes da sua, visto que de acordo com o Fanon (2008), a ideologia colonialista afeta não somente a humanidade das pessoas de cor negra mas também a humanidade do branco, uma vez a desumanidade do negro reside em ter sido escravizado pelo branco; quanto que e a desumanização do branco consiste em ter escravizado o negro.
Essa dualidade –entre o branco e o negro- é, portanto o que Fanon vem a chamar de duplo narcisismo, onde nos mostra o autor estar o negro trancado em sua negrura e o branco estar trancado em sua brancura. Por conseguinte, salientamos novamente que para Fanon, é impossível uma análise do racismo e das suas consequências subjetivas, sem que se passe pelos dois polos, tanto do branco quando do negro. (FANON, 2008). Cabe ressaltar que a alienação colonial para o autor de modo algum recai a um subjetivismo, pois só há a alienação após um duplo processo, econômico e político, para então haver a interiorização desses fatores objetivos, processo que o filósofo irá chamar de epidermização, destacando a relação interna entre a consciência e o contexto social, ou seja, para Fanon não há subjetividade sem a objetividade, entretanto é a obra Pele Negra, Máscaras Brancas uma análise psicológica do sujeito de cor em um mundo colonizado. (FANON, 2008)
Segundo Fanon (2008) “o ser negro” de modo algum é entendido como uma categoria ontológica muito menos ganha contornos essencialistas que garantam à pessoa de cor negra o acesso privilegiado às vias da paixão, e aos brancos à razão. Para Fanon (2008 apud GORDON, 2008) no prefácio de sua obra publicada no Brasil, “o negro” enquanto categoria identitária criada pelo branco, atende a uma patologia da qual é necessário retirar esse homem e mulher de cor, como nos mostra o trecho seguinte:
Em termos absolutos, o negro não é mais amável do que o tcheco, na verdade trata-se de deixar o homem livre. [...]. Nós pretendemos aquecer a carcaça do homem e deixa-lo livre. Talvez assim cheguemos a este resultado: o Homem mantendo o fogo por auto combustão. (FANON, 2008)
Ou seja, para Fanon (2008) negros e negras, antes de sua nomeação, feita não por seus pares, mas por aqueles que se denominam os universais – são homens e mulheres e também sinônimos de humanidade. O que significa dizer que a desumanidade do homem universalizado consiste na desumanização do homem e da mulher de cor marginalizados (das), transformando-os (as) em negros e negras. Como nos diz o filósofo “ o homem de cor não é um homem, o homem de cor é um homem negro” (FANON, 2008)
Nem por isso, como nos mostra o filósofo sua obra se trata de afirmar que somos todos iguais; ou que a França é menos racista que o Brasil; nem mesmo provar que somos humanos, pois segundo o autor, alcançar essas respostas é simples, o problema está na alienação colonial que munida do racismo violenta essas carcaças negras a ponto das máscaras serem confundidas com a pele. (FANON, 2008)
O que resulta para o homem e a mulher de cor, segundo Lewis Gordon (2008) numa psicologia do não, do anormal, do patológico, pois uma vez que não mais humanos, e agora à margem do universal, ou seja, marginalizados pelos auto universalizados, o negro não apenas representaria a patologia, mas o próprio mal, maldição essa que recai por sobre todas as dimensões do indivíduo negro: suas epistemologias, suas religiões suas linguagens, culturas, saberes e conhecimentos.
Assim, à pessoa de cor negra, em todos os estereótipos que carrega é garantida sua desumanidade, o oposto do humano que é branco, branco cor da paz. (FANON, 2008) Deste modo a relação dialógica do “eu e do outro”, não acompanha a dicotomia do branco e do negro, ou seja, para Fanon (2008) à pessoa de cor negra não é reservado o espaço do “outro”, logo o negro além de não poder ser o “eu” na relação com o “outro”, perde também o seu lugar enquanto o “outro” em sua relação com o “eu”, espaços, ambos reservados ao branco, pois o outro ainda assim é humano, o negro não. O negro não somente não é o pesquisador, como em raríssimos casos é o objeto da pesquisa e quando é, não é humano, é negro, é estereotipado, cristalizado, essencializado. O negro não é o professor (a), o psicólogo (a) quem dirá o paciente e quando for é o patológico.
Esse problema, que muitos insistem em chamar de “problema negro”, assim como nos diz o filósofo da existência Jean-Paul Sartre (1905-1980) em sua obra Reflexões Sobre o Racismo (1943) Fanon (2008) recusa-o alertando-nos que não há um problema negro e sim que há um problema pelo qual o branco deverá também se responsabilizar, caso se importe com a solução deste. Assim, também em discordância com Sartre (1960) quando este afirma a necessidade do “grito negro”, Fanon (2008) afirma que há muito tempo cansou de gritar para que o seu grito seja negro: nós também queremos falar ao invés de apenas gritar; escrever, falar e em contrapartida sermos ouvidos, lidos, estudados, reconhecidos.
“Afinal o que quer o Homem Negro? ” é a pergunta pela qual Fanon (2008) inicia a sua obra, questão essa que ele encontrara no final a sua resposta: “o homem negro quer ser reconhecido”. Afirmar, portanto, que o homem negro quer ser reconhecido, é a reafirmação que a pessoa de cor negra é um sim, uma afirmação ao mundo, o oposto do discurso existencialista -moda na França de sua época- que consistia em ressaltar o caráter negativo da existência humana. Contudo para o filósofo, se a pessoa de cor negra buscar pelo reconhecimento, pela sua reafirmação enquanto pessoa, sujeito de sua própria história, qual é a cor do reconhecimento numa sociedade cindida pela colonização, quem é reconhecido nessa sociedade? O branco! O indivíduo de pele negra quer ser reconhecido, eis o porquê das máscaras brancas. (FANON, 2008)
Ora, vivemos num país forjado pelo racismo, onde a população negra equivale a mais da metade da população total e isso, sem levarmos em consideração aqueles (as) que não se reconhecem enquanto negros (as). Em contrapartida essa mesma proporção não se efetiva. A negação em relação a legitimidade de outras formas de conhecimento e de outros sujeitos de conhecimento que não o hegemônico e do dominador é o que Boaventura Sousa Santos (1997 apud CARNEIRO, 2005, p. 96) vem a chamar de epistemicidio, que para o autor, consiste em um processo de destituição da racionalidade, da cultura e da civilização do outro, um modus operandi do empreendimento colonial que constitui em um dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação étnica e racial.
De acordo com Carneiro (2012), o epistemicidio não se resume apenas na desqualificação do conhecimento do outro que não branco e, portanto, que não a norma. Como nos mostra a filósofa negra é pela negação ao acesso à educação de qualidade; pela produção de inferiorização intelectual; pela desligitimação do negro e da negra como portador e portadora de conhecimento; pelo rebaixamento da capacidade cognitiva aleivosamente justificada na carência material que o epistemicidio já se apresenta como um dos instrumentos colonialistas e consequentemente racistas mais eficazes. Portanto, a necessidade de urgência das obras de Frantz Fanon e de outros autores e autoras negras nas grades curriculares de psicologia não se dá apenas pela conveniência de uma diferente visão de mundo e sim de uma visão necessária e fundamental para a construção de uma ciência psicológica anti-racista que possa surgir das margens para as margens e que em suas práticas se faça humana e não mais, branca.
Palavras-chave: Alienação colonial. Racismo. Subjetividade
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, S. A Construção do Outro Como Não-Ser Como Fundamento do Ser. São Paulo. Tese (Doutorado em Educação): Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2005
DJAMILA, Ribeiro. Acadêmicas, Trabalhadoras e Militantes: A Representação de Mulheres Negras nos Diferentes Espaços. Colóquio Feminismo Negro, IV, Universidade Estadual de Maringá, NEIAB-UEM, 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3Z69VCMUiK0&t=604s. Acessado em: 25 de Outubro de 2017.
FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: Edufba. 2008
FAUSTINO, Deivison. Por que Fanon? Por que agora? Frantz Fanon e o s fanonismos no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) Universidade de São Carlos, São Carlos, 2015.
FOLHARINI, Emerson Silva; SOUZA, Fábio Feltrin de. Racismo, Subjetividade e Colonialidade: Reflexões a partir de Frantz Fanon. In: Souza, Fábio Feltrin; MORTARI, Cláudia (orgs.). Histórias Africanas e Afro-Brasileiras: Ensino, Questões e Perspectivas. Tubarão: COPIART, 2016, p 17-41
GORDON, Lewis. Prefácio. In: FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: Edufba. 2008
SARTRE, Jean. Paul. Reflexões Sobre o Racismo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960.