Última alteração: 2017-11-14
Resumo
O desenvolvimento infantil foi alvo de estudos de diversos pensadores que se propuseram a entender esse processo. O tema da afetividade estudada pelos teóricos Lev Vigotski e Henri Wallon se demonstra importante para o entendimento de diversos elementos que integram o processo do desenvolvimento. Com isso, foi por meio do método materialista histórico e dialético que esses autores buscaram romper com as concepções solipsistas defensoras de ideias inatistas que entendem o sujeito como passivo no mundo, sendo o fator social apenas estimulador das questões intrínsecas ao sujeito. Nesse sentido, os autores em seus estudos buscaram apresentar a afetividade sob um viés social, construída socialmente. O nosso objetivo concentra-se no entendimento da construção da afetividade no primeiro ano de vida em uma perspectiva sóciohistórica e como os autores representantes dessa abordagem compreendem essa temática. A pesquisa é de natureza teórico-qualitativa, do tipo conceitual. Desse modo torna-se necessário compreender os conceitos propostos pelos autores representantes da psicologia sóciohistórica e de outras abordagens discutidas por eles. A partir disso, foi possível compreender a afetividade como um processo de construção intimamente relacionado ao primeiro ano de vida, o qual se mostrou como uma etapa fundamental para a construção da personalidade. Dessa forma, uma pesquisa realizada nesse âmbito é, sem dúvida, enriquecedora, uma vez que atualmente há uma discussão maior sobre a fragilidade dos laços humanos e o levantamento de questões sociais que englobam os elementos socioafetivos em uma busca de tentar explicá-los sob um viés determinista e inato ao sujeito. Nossa pesquisa foi norteada pela Epistemologia Qualitativa e buscou dessa forma selecionar indicadores de significação nos autores selecionados, a saber: Lev. S. Vigotski, Alexei N. Leontiev, Daniiel B. Elkonin, Henri Wallon e comentadores de suas obras. Com isso, por meio do estudo realizado, foi possível elucidar a questão da afetividade no primeiro ano de vida sob um viés crítico que faz uma ruptura com as concepções mecanicistas acerca do desenvolvimento. De acordo com Vigotski (1996) a criança após o nascimento separa-se da mãe fisicamente, mas permanece ligada a ela biologicamente. Isso demonstra que, a criança precisa do auxílio de um adulto para ter as suas necessidades atendidas, com isso o bebê, em seu primeiro ano de vida, é um ser totalmente dependente de outra pessoa, ou seja, de um adulto, o que aponta para a importância do vínculo e das relações nessa etapa. Dessa forma, o contato com a realidade é mediado e como a criança não desenvolveu a linguagem a maneira de se comunicar com o mundo torna-se limitada. Com isso, para ter suas necessidades básicas atendidas, a fim de garantir sua sobrevivência, o bebê utiliza várias formas de se comunicar com o outro, bem como demonstrar qualquer desconforto ou necessidade, pois nada pode fazer sozinho. O choro para Vigostki, por exemplo, é uma forma de expressão, assim como o sorriso é uma maneira de se comunicar com o mundo: “[...] A existência de estados emocionais agradáveis ou desagradáveis se manifestam nos primeiros dias de vida da criança, na expressão do seu rosto, na entonação de seus gritos, etc.” (VIGOTSKI, 1996, p. 282).
Além disso, foi possível relacionar alguns conceitos como: meio, emoção e crise, os quais foram alvo de estudo de Lev Vigotski e Henri Wallon, e, embora divirjam em alguns pontos, ambos compreendem a afetividade como “biologicamente social”, resultado da filogênese e da mediação social. Nesse sentido, embora Henri Wallon seja menos dialético em suas teorias quando comparado a Lev Vigotski, o autor compreende o homem como um ser biologicamente social, para o qual os elementos biológicos e sociais são indissociáveis, buscando assim compreender o desenvolvimento sob uma ótica dialética que integra ambos os fatores.
Quanto à questão da afetividade, Vigotski (1996) compreende que o primeiro ano de vida, embora seja um período demarcado pela carência da linguagem, as manifestações emocionais, como o choro e o sorriso, são entendidas na perspectiva do autor como uma manifestação não só afetiva como também social. Similarmente a isso, Wallon (1995) entende que as primeiras manifestações da afetividade são desorganizadas e embora também compreenda o choro e o riso como uma expressão da afetividade, Henri Wallon entende essas manifestações, em primeiro lugar, sob um viés biológico, as quais na visão do autor estão relacionadas às experiências de prazer e desprazer, para posteriormente se configurar como social. Dessa maneira, para Wallon (1995), tanto o choro quanto o sorriso adquirem um caráter, em um primeiro momento de cunho biológico e, posteriormente, social, uma vez que para ele é por meio dessas expressões que a criança consegue se relacionar com o outro.
Desse modo, Vigotski assim como Wallon defendem a ideia do desenvolvimento numa perspectiva dialética entre os fatores biológicos e sociais do indivíduo, ressaltando a importância do aspecto social nesse processo. É certo que ambos os teóricos debruçaram-se ao estudo do desenvolvimento infantil, compreendendo-o não de forma linear, mas sim passível de mudanças e transformações. Nesse sentido, Vigotski (1996) entende que as crises, ao contrário do que é entendido comumente como algo negativo, representam um papel fundamental no processo de desenvolvimento, uma vez que possibilitam a superação de um estágio para o outro, isto é, um salto importante no desenvolvimento. Em conformidade com isso, Wallon também defende a ideia de um desenvolvimento infantil descontínuo, marcado por rupturas e mudanças. Com isso, para Wallon (1995) as passagens dos estágios de desenvolvimento também não acontecem de forma linear, mas dialética. Sendo assim, os conflitos ao integrarem o processo de desenvolvimento infantil são, na visão dos autores, propulsores do desenvolvimento, sendo, portanto benéficos. Nesse sentido, o estudo permitiu desmistificar a ideia de que o primeiro ano de vida é um ano de total passividade no qual o bebê pouco age no mundo. Nesse sentido, tanto Vigotski quanto Wallon compreendem o primeiro ano de vida como um período importante para a sociabilidade da criança e para o estabelecimento das relações, pois mesmo carente de linguagem, surgem na criança às primeiras manifestações de comunicação expressas na afetividade.
Assim, as emoções são formas de comunicação entre o bebê e seus cuidadores, passando de funções psicológicas básicas para superiores ao longo do desenvolvimento. Ademais, o estudo realizado permitiu a compreensão de aspectos relacionados não apenas à afetividade, mas também à educação no primeiro ano de vida, entendendo a importância da mediação também neste processo, uma vez que a abordagem sociohistórica, ao conceber uma nova forma de olhar para o desenvolvimento e para a educação, coloca a escola não apenas como transmissora dos conteúdos historicamente produzidos pelo homem, mas como um espaço que permite a humanização, isto é, o contato com outros sujeitos, pois as relações são o que nos torna humanos. A partir da análise dos textos foi possível elucidar que a mediação, baseada em signos e estabelecida no primeiro ano de vida, é fundamental não apenas para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, mas também para a construção da afetividade que integra o processo educacional. Cognição e afeto se entrelaçam no processo de ensino-aprendizagem e, para Wallon (1968), elas estão encerradas em três níveis: neuroquímico, muscular e representacional. Dessa maneira, o estudo realizado permitiu elucidar a questão da afetividade no primeiro ano de vida sob um viés metodológico que rompe com as concepções mecanicistas acerca do desenvolvimento bem como a compreensão da construção da afetividade no primeiro ano de vida e a importância da relação para o desenvolvimento do sujeito. Portanto, foi possível obter uma visão clara e objetiva do estágio atual a respeito do estudo do primeiro ano de vida e de como o tema da afetividade é assimilado conceitualmente nessa etapa.
Palavras-chave: Afeto. Desenvolvimento infantil. Psicologia histórico-cultural.