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REFLEXÕES SOBRE A HUMANIZAÇÃO EM UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS): OS PROCESSOS DE TRABALHO E A PRODUÇÃO DE ESTRESSE NA EQUIPE
DANIELA MEGLIORINI PARO, RENATA BELLENZANI

Última alteração: 2012-07-24

Resumo


A partir do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, têm sido criadas novas modalidades de serviços de saúde no SUS para o tratamento às pessoas em situações de sofrimento e adoecimento mental, entre esses os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), atualmente os principais serviços para o tratamento de doenças mentais graves e severas (Tenório, 2002). Estes novos serviços visam reduzir internações psiquiátricas, diminuir sua reincidência e, principalmente, possibilitar o desenvolvimento de laços sociais e interpessoais desse pacientes com seus familiares e com a sociedade (Fagundes & Libério, 1997) de forma a diminuir a alienação e a exclusão social (Dalcin, 2009).

 O novo modelo assistencial em saúde mental, centrado no CAPS e de base comunitária, trouxe ao campo da saúde mental novos modos de organização do trabalho e divisão das tarefas entre os integrantes das equipes (Silvia, 2005) apoiando as pessoas que frequentam o serviço em iniciativas que promovam sua autonomia.

Apesar dos grandes avanços ocorridos no Brasil desde a efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS), com seus princípios norteadores, entre eles a descentralização da atenção e da gestão para o nível local, ainda persistem dificuldades em sua consolidação em termos de equidade de acesso, qualidade de ações e serviços, utilização adequada de recursos e sustentabilidade (Bueno & Augustinho; Carvalho, 2003; Hennington, 2008).  

É no cenário dos grandes desafios para o fortalecimento do SUS que surge em 2003 a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH), com caráter transversal, devendo perpassar todos os níveis de atenção à saúde e variadas modalidades de serviços, desencadeando mudanças no modelo de atenção e de gestão (Hennington, 2008). A PNH tem como proposta contribuir com o modo de discutir e construir, coletivamente, estratégias para a melhoria no acesso e na qualidade dos serviços (Brasil, 2006) valorizando os diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde, sendo eles: usuários, trabalhadores e gestores (Bueno; Augustinho & Carvalho, 2003).

Logo, a PNH se difere pela preocupação com a capacitação e o desenvolvimento dos trabalhadores na área da saúde em busca de proporcionar condições mais adequadas para a execução das atividades laborativas e também para que os cuidadores tenham suas necessidades satisfeitas (Hennington, 2008).

Segundo Dalcin (2009, p. 20) “os profissionais da saúde estão sujeitos em todo momento de seu lidar profissional, a situações e ambientes considerados fontes de pressão” que se constituem como desencadeadoras de estresse. Alguns estudos têm apontado o estresse no trabalho ou o estresse ocupacional como um problema no que se refere à saúde dos trabalhadores não só de serviços de saúde em geral, mas especificamente da área de saúde mental (Coyle et al., 2005; Fensterseifer,1999; Ramminger, 2002; Rego, 2000; Santos & Cardoso, 2010).

De acordo com Jex (1998) as definições de estresse ocupacional dividem-se de acordo com três aspectos: (1) estímulos estressores onde o estresse refere-se aos estímulos do ambiente de trabalho que exigem respostas adaptativas por parte do trabalhador e que excedam suas habilidades de enfrentamento; (2) respostas aos eventos estressores, no qual o estresse ocupacional refere-se às respostas que os indivíduos emitem quando expostos a fatores do trabalho que excedem sua habilidade de enfrentamento e; (3) estímulos estressores-respostas em que o estresse diz respeito ao processo geral em que demandas de trabalho têm impacto nos trabalhadores.

Considerando o exposto acima se realizou um estudo numa cidade do interior de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de investigar a dinâmica institucional de um Centro de Atenção Psicossocial, com relação às práticas / processos de trabalho da equipe, os sentidos associados a esses, e a produção do estresse ocupacional, tomando as reflexões sobre a humanização como horizonte mais amplo da discussão.

Tratou-se de uma pesquisa de enfoque qualitativo (observações etnográficas e conversas) e quantitativo através da aplicação de questionário sociodemográfico e o instrumento Escala de Estresse no Trabalho (EET) de Paschoal e Tamayo (2004). O trabalho de campo foi realizado em dois períodos. No primeiro, o serviço passava por uma fase atípica, associado ao afastamento do profissional da coordenação e à incompletude da equipe, num total de 13 trabalhadores, sendo profissionais das áreas de enfermagem (nível superior e nível técnico), psicologia, pedagogia, serviço social, terapia ocupacional, educação física, administrativa, secretaria e serviços gerais. Já no segundo período o coordenador havia retornado e um novo profissional de psiquiatria, cuja vaga estava em aberto na primeira fase, havia sido contratado.

As observações etnográficas e as conversas, assim como sua análise qualitativa, se deram à luz do referencial teórico do construcionismo social. Os dados obtidos a partir dos instrumentos de natureza objetiva tiveram caráter complementar às observações.

Utilizou-se do programa SPSS for Windows 16.0 para análises descritivas e cálculo das médias. A aplicação da escala com os integrantes da equipe do CAPS teve como objetivo possibilitar um diagnóstico situacional dos estressores organizacionais de natureza psicossocial, percebidos pelos integrantes da equipe/serviço como estressores presentes em seu contexto institucional.

De acordo com dados coletados, o serviço classifica-se, segundo o instrumento EET, na “zona intermediária” (média de estresse na equipe: 2,5); 09 dos 23 fatores psicossociais da escala tiveram médias acima de 2,5 (altamente estressores); dessas, as mais altas se referem à: deficiência nas capacitações (3,83); deficiência na circulação das informações organizacionais (3,25); discriminação/favoritismo no trabalho (3,25).

Os dados qualitativos aprofundam, parcialmente, os dados quantitativos. Predominam episódios e depoimentos expressivos das questões relacionadas à produção do estresse no trabalho: despreparo para manejar as dinâmicas das interações ou eventuais condutas individuais dos usuários, tidas como problemáticas; sensações de impotência ou de falta de recursos para lidar com situações não programadas; dificuldade de lidar com a “loucura” ou com muitos usuários juntos; desamparo; tensões na equipe (desentendimentos verbais e às vezes, conflitos entre os profissionais); críticas ou queixas envolvendo déficits no desempenho de algum colega ou na rotina de atendimento; discordâncias entre profissionais de nível técnico e nível superior (os primeiros sentiam-se com menor autonomia); falta de comunicação e deficiência na divulgação de informações organizacionais sobre decisões da coordenação; dificuldade da equipe em manter a periodicidade na realização das reuniões de equipe; descaso da gestão para com a equipe/serviço. Muitas eram as menções à necessidade de mais capacitações e apoio técnico e de gestão.

O presente estudo buscou contribuir com avanços teórico-conceituais e com o aprimoramento das políticas públicas de saúde, em especial a Política de Humanização da Atenção e Gestão no SUS e a Política Nacional de Promoção de Saúde do Trabalhador do SUS, como foco nos aspectos psicossociais que ampliam os riscos ao bem estar e à saúde dos profissionais dos CAPS.

Os sentidos das narrativas (analisadas conjuntamente às práticas e às circunstâncias de sua produção) e os fatores psicossociais da escala reconhecidos pela equipe como estressores organizacionais, indicam “problemas” que segundo a PNH são prejudiciais tanto à qualidade assistencial, como à saúde dos trabalhadores do CAPS. Pode-se pensar a produção do estresse como expressiva da “desumanização” do/no trabalho em saúde.

Palavras-chaves: humanização, saúde mental, estresse, saúde do trabalhador, serviços de saúde mental

 

Referências

 

Brasil. Ministério da Saúde. (2006). Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Brasília. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores do SUS.Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de abril, 2012, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_gestores_trabalhadores_sus_4ed.pdf

 

Bueno, E.; Augustinho, M. L.; Carvalho, T. H. P. F. (2003). Humanização – construindo um novo conceito de fazer saúde. Campinas: Unicamp.

 

 

Carvalho, L.; Malagris, L. E. N. (2007). Avaliação do nível de stress em profissionais de saúde. Estudo e Pesquisa em Psicologia, 7, 3, 210-221.

 

 

Coyle, D. et al. (2005). A systematic review of stress among mental health social workers. International Social Work, 48, 2,  201-11.

 

 

Dalcin, E. M. C. (2009). Ambiente e trabalho: condições de estresse em profissionais de um centro de atenção psicossocial i no interior do Mato Grosso. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais e Saúde) – Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

 

 

Fagundes, H. M.; Libério, M. M. A. (1997). A reestruturação da assistência na cidade do Rio de Janeiro. Estratégias de construção e desconstrução. Revista Saúde em Foco, 16, 30-35.

 

 

Fensterseifer, G. P. (1999). Assistência em saúde mental X estresse no trabalho dos profissionais. 1999. 243 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

 

 

Hennington, E. A. (2008). Gestão dos processos de trabalho e humanização em saúde: reflexões a partir da ergologia. Rev. Saúde Pública, 42, 3, 555-561.

 

 

Jex, S. M. (1998). Stress and job performance. Londres: Sage.

 

 

Paschoal, T.; Tamayo, A. (2004). Validação da escala de estresse no Trabalho. Estudos de psicologia, 9, 1, 45-52.

 

 

Ramminger, T. (2002). A saúde mental do trabalhador em saúde mental: um estudo com trabalhadores de um hospital psiquiátrico. Bol.da Saúde, 16, 1, 111-124.

 

 

Rego, D. P. (2000). Stress ocupacional do psicólogo em instituições de atendimento ao portador de psicose.  2000. 128 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

 

 

Santos, A. F. O;  Cardoso, C. L. (2010). Profissionais de saúde mental: estresse e estressores ocupacionais stress e estressores ocupacionais em saúde mental. Psicologia em estudo [online], 15, 2, 245-253.

 

 

Silva, M. B. B. (2005). Atenção psicossocial e gestão de populações: sobre os discursos e as práticas em torno da responsabilidade no campo da saúde mental. Revista Saúde Coletiva, 15, 1, 127-150.

 

 

Tenório, F. (2002). Reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. História, Ciência, Saúde – Manguinhos, 9, 1, 25-59.

 

 



Palavras-chave


humanização, saúde mental, estresse, saúde do trabalhador, serviços de saúde mental

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