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MEDICALIZAÇÃO DE CRIANÇAS: UM ASSUNTO SÉRIO NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA PARANAENSE
Letícia Cristina Franco, Erica Piovam de Ulhôa Cintra

Última alteração: 2012-07-24

Resumo


O presente artigo visa apresentar, em linhas gerais, os encaminhamentos iniciais do Projeto de Iniciação Científica (PIC), intitulado “Medicalização da Infância: concepções e práticas em Maringá e região”, em desenvolvimento no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá.

O projeto teve início a partir de um dado inferido numa observação mais direta ao Projeto de Extensão da UEM, desenvolvido junto ao Programa Multidisciplinar de Pesquisa e Apoio à Pessoa com Deficiência e Necessidades Educativas Especiais (PROPAE), que atende crianças com dificuldades escolares de leitura e escrita nas séries iniciais do Ensino Fundamental. É muito elevado o número de crianças com queixas de dificuldades escolares que fazem uso de psicoestimulantes na rede escolar. Seja por indicação da família, seja por queixa da escola, muitas crianças com relatos de não aprendizagem escolar tem sido levadas ao serviço médico neurológico – e nem sempre o especializado em neuropediatria – que tem prescrito psicoativos sem muita parcimônia em sua recomendação.  Aparentemente, tais dificuldades de aprendizagem têm sido comumente confundidas com déficits de atenção ou ainda o Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), sendo essa a justificativa encontrada para medicalizar tais crianças.

A respeito, é preciso observar o alerta de estudiosos do tema no sentido de evitar a “patologização” dos problemas pedagógicos da não aprendizagem escolar (Souza, 2011). As razões para justificar esse problema não são clínicas ou médicas, mas pedagógicas. Mesmo porquê os especialistas em estudos do comportamento e seus distúrbios informam que é restrita a proporção de crianças com TDAH no universo escolar, a saber: “O TDAH ou simplesmente TDA é caracterizado pela seguinte tríade de sintomas: desatenção, impulsividade e hiperatividade mental e/ou física. Manifesta-se ainda na infância e está presente em 3 a 7% nas crianças em idade escolar.” (Silva, 2009, p.80).

O objetivo do presente PIC em desenvolvimento é, portanto, refletir pela via pedagógica a medicalização de crianças em Maringá e região entendendo-a como uma questão séria e de urgente reflexão ao professorado. A educação medicalizada como comumente é conhecida no meio educativo pela discussão advinda da psicologia educacional pode ser enriquecida inclusive por outra possibilidade de leitura que ora fazemos uso: o da medicalização da infância, ou medicalização de crianças. Isso porque nosso enfoque explicativo da justificação da relação medicina e educação no Brasil é muito mais histórico que psicológico, pois essa relação retrocede ao século XIX, por exemplo, quando da preocupação higiênica da constituição urbana de uma sociedade saudável, inclusive nos marcos eugênicos (Marques, 1994), e das instituições como um todo, como foi o caso da escola primária que não prescindiu do olhar médico na estruturação dos lugares de aprendizagem, dos mobiliários etc., na escolarização da infância (ver Bencostta, 2005).

Considerando, portanto, a necessidade de reflexão teórica sobre o fenômeno da medicalização da infância, bem como buscando observar empiricamente a repercussão de tal questão tomando como público-alvo a demanda atendida no Projeto de Extensão da UEM que atende crianças com dificuldades escolares moradoras de Maringá e Região, é que propusemos o presente PIC ora em desenvolvimento. Objetivamos refletir sobre tais questões que cercam a infância e verificar a incidência desse procedimento (a medicalização da infância) nessa demanda específica, constituída por aproximadamente duzentas crianças, a fim de compreender o papel do médico e a sua representação como profissional detentor de um saber especializado (médico) - e poder de legitimação sobre a saúde física e mental dos pequenos - e o seu forte impacto decisório sobre o meio escolar contemporâneo. A participação já observada dessas crianças no referido Projeto de Extensão, não raro põe em cheque o argumento médico (e algumas vezes até pedagógico) do uso de tais medicamentos pelo emprego da mediação pedagógica intencional no trabalho com o alunado, o que nos motivou à reflexão mais concentrada do tema.

No momento, encontramo-nos na fase de levantamento e organização do banco de dados a partir das fichas de entrevistas e anamneses das crianças, mais especialmente, as concentradas nos anos de 2012 a 2010. As primeiras impressões nos mostram que essas crianças com queixas escolares ou familiares de dificuldades de aprendizagem ao serem encaminhadas ao serviço neurológico recebem quase que automaticamente o diagnóstico de déficit de atenção e∕ou TDAH, sendo, por isso, medicadas. Contudo, o que nos chama a atenção é a alta incidência desses casos que podemos especular gire entorno de 80% das crianças atendidas – somados os casos que chegam com indicação a esse serviço especializado ou já estão sob o uso da medicação.

Um dado importante que gostaríamos de frisar diz respeito à postura adotada pelas escolas, muitas vezes conivente com o exercício de tal procedimento. Recentemente, em discussão com o professorado de Maringá e Região ocorrida num evento do curso de Pedagogia da UEM – o IX Subsídios Teórico-Metodológicos para a Ação Docente: Educação e Saúde: reflexões e ações, em maio-junho do corrente -, observou-se, numa palestra sobre a medicalização da infância, a desresponsabilização de alguns professores justificando que o emprego dos psicoestimulantes em algumas crianças “até não parecia fazer-lhes bem”, pois observavam que ficavam apáticas em sala, mas sendo esse o procedimento médico adotado, não entendiam ter qualquer poder para reverter essas práticas.

Acontece, porém, que os especialistas no atendimento de casos confirmados de TDAH pela neuropediatria afirmam a importância – e necessidade (ver Dupaul e Stoner, 2007) – do retorno de tais relatos ao médico até mesmo para ajustar sua conduta junto aos pacientes. Ao que tudo indica são poucas as escolas que, mesmo com grande número de crianças atestadas com TDAH – nem sempre por profissionais da neuropediatria é importante registrar -, retornem relatos da criança medicada ao responsável que prescreveu tais procedimentos.

A necessidade de manutenção dessa discussão como um todo, motivou a criação, em Irati (PR), de um Fórum sobre Medicalização da Sociedade e da Educação, no final do ano passado, no curso de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná - UNICENTRO. A partir dele, aconteceu ali, a primeira edição do Seminário Paranaense sobre Medicalização da Sociedade e da Educação, em outubro passado, e estuda-se a sua segunda edição para o segundo semestre de 2012.

Apesar do presente relato se tratar efetivamente de uma notícia de pesquisa em iniciação, visualizamos nesse momento, do V Congresso Internacional de Psicologia, na UEM, a oportunidade de estreitar as discussões entre a Pedagogia e a Psicologia ampliando as interpretações de um mesmo tema.


Palavras-chave


medicalização – educação – infância – medicina

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