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Intervenções na saúde, na infância e na educação: (des) encontros com a higiene mental e eugenia
Maria Lucia Boarini, Suzana Tomal Brondani, Gabriele da Silva Rodrigues, Bruna Flávia Serafim Couto, Taise Silveira Ferres

Última alteração: 2012-07-25

Resumo


Higiene, higiene mental, eugenia são temáticas que vimos abordando há algum tempo. A primeira vista tais temáticas parecem estranhas ao leitor do século XXI. Desde meados do século XX, mais precisamente pós II Guerra Mundial, estes termos raramente comparecem no vocabulário da sociedade ocidental, principalmente o termo eugenia. Tais termos ressurgem, em geral, quando ocorre algo que produz perplexidade tal como foi a defesa do governador de Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira que em artigo opinativo, numa clara menção a eugenia afirma que “a genética permitirá evitar filhos "feios" ou "idiotas" e ainda o melhoramento genético poderia produzir “clones de gênios ou pessoas de beleza excepcional” (LOPES, 2005). Outro exemplo foram os encaminhamentos
da cracolandia em S.Paulo alvo de muitos questionamentos na imprensa, dentre eles citamos o texto do juiz Walter Maierovitch (2012) que faz referencia ao higienismo já no titulo ´Cracolandia. O terror higienista[1].  Ou ainda em relação ao Projeto de Lei nº. 673/11, proposto pelo Deputado Estadual Orlando Bolçone, que prevê internação compulsória pelo Poder Público de crianças e adolescentes usuários de droga para tratamento médico. Sobre este projeto os defensores públicos Diego Vale de Medeiros e Leila Rocha Sponton - Coordenadores do núcleo especializado da infância e juventude defensoria pública do estado de São Paulo se posicionaram contrario afirmando dentre outros argumentos:

Salta aos olhos daqueles que se dedicam à incansável busca da efetividade dos direitos assegurados por lei às crianças e aos adolescentes a problemática social a que se está prestes a enfrentar mediante a aprovação de um Projeto de Lei como este: não se nega, e prevê, a transferência do grave problema de saúde pública das ruas para estabelecimentos despreparados – acredita-se, inexistentes – sendo certo ser esta mais uma medida “higienista”, proposta em conflito com as garantias constitucionais.

Enfim, estes são alguns exemplos que recentemente circularam pela mídia impressa e televisiva que nos aponta para a atualidade destas temáticas. Não obstante a importância destes apontamentos, estes não nos dão ideia da dimensão e dos desdobramentos do ideário da eugenia e do higienismo, em sua vertente da higiene mental. Sem nos propor a fazer profundas incursões na gênese do ideário do higienismo/eugenia é necessário assinalar que este ideário teve um caráter internacional resultante, principalmente, pelos graves problemas sanitários consequente da industrialização, urbanização sem planejamento e na sequencia importantes doenças transmissíveis transformavam-se em epidemias. Tal situação nos países em desenvolvimento industrial leva a criação, ratificada por 54 países, em 1903 do Office Intenational d`Hygiène Publique, ratificado pela Convenção de Roma em 1907. Quanto ao ideário da eugenia veio a publico em 1869 na Inglaterra cujo mentor foi Francis Galton (1822-1911). Fundamentado no arcabouço teórico do evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882), Galton promete “elevação moral e felicidade” aos povos que cuidarem do necessário controle da hereditariedade dos tipos inferiores. Em 1912, Clifford Beers cria no Estado de Connecticut, Estados Unidos da America do Norte, o primeiro comitê para a Higiene Mental cujo objetivo era promover campanhas para a melhoria dos estabelecimentos da assistência psiquiátrica. Com o decorrer do tempo este comitê foi se ramificando em diferentes países e em 1948 por ocasião do Congresso de Higiene Mental, realizado em Londres foi fundada a Federação Mundial da Higiene Mental (YAN, 1952). Os objetivos da higiene mental também vão se ampliando como podemos constatar na afirmação de Fontenelle (1925, p.1): “A higiene mental apresenta duas faces: uma, tendo em vista o trabalho defensivo contra as causas da degeneração psíquica, é a profilaxia mental; outra, procurando preparar o equilíbrio de adaptação entre a mentalidade individual e o meio físico e social, é a higiene mental propriamente dita”. Enfim, com estes breves registros da historia temos como objetivo assinalar que o ideário em questão não é algo recente e nem é especifico da sociedade brasileira. Entretanto no Brasil fez-se ressoar fortemente estes movimentos que embora não populares tiveram significativa presença em diferentes setores da sociedade. Temos por hipótese que este ideário ainda permanece subjacente nos encaminhamentos de diferentes segmentos sociais da atualidade. Tendo estas questões como referencia e circunscrevendo nossa investigação à sociedade brasileira o objetivo de nossa investigação é “Reconhecer, recuperar, dimensionar e analisar como o ideário destes movimentos denominados higienistas e eugenistas permanecem subsidiando o aparato jurídico e os encaminhamentos institucionais da sociedade brasileira, bem como explicando o fenômeno da subjetividade até nossos dias.”.

Este objetivo nos põe a frente duas questões igualmente importantes. Primeiro a necessidade do distanciamento do fenômeno para melhor compreende-lo e neste sentido recuamos no tempo e delimitamos para nosso estudo as propostas e intervenções nos diferentes setores da sociedade brasileira, nas primeiras décadas do século XX, orientadas por médicos defensores da vertente preocupada com a higiene mental e a eugenia, principalmente as intervenções subescritas pela Liga Brasileira de Higiene Mental. Outra questão a considerar é que um estudo desta natureza não se exauri na investigação de um único pesquisador, até porque as orientações de natureza higienista e eugenista não se limitaram a um único setor social, mas pulverizaram-se nas diferentes instituições brasileiras, como assinalamos anteriormente. Assim recorremos a uma estratégia didática que foi a criação, no ano 2000, de um Grupo de estudos e pesquisa sobre o higienismo e a eugenia cuja sigla é GEPHE, devidamente cadastrado no CNPq. Como orientação teórica partimos do principio que as sociedades vão se construindo e se transformando para atender as necessidades geradas pela busca de sobrevivência o que vale dizer que nosso referencial é a epistemologia materialista histórica. Sob esta perspectiva um dos desafios metodológicos postos no desenvolvimento de um estudo é o rigor na observação das necessidades sociais da época quando da leitura e analise das fontes primarias e do conjunto dos dados coletados. E na medida do possível desvelar o ressoar destes movimentos na atualidade. Com este cuidado teórico e metodológico vários estudos já foram produzidos pelos integrantes do GEPHE, revisitando os documentos da época cujos registros indicam as preocupações e encaminhamentos dos higienistas e eugenistas em diferentes campos do conhecimento. Além de outros estudos que se propuseram a desvelar o perpassar deste ideário nas instituições sociais e encaminhamentos da atualidade. Nesta sessão coordenada seguindo as determinações da organização do evento, estamos apresentando apenas quatro das pesquisas desenvolvidas pelos integrantes do GEPHE. Trata-se de estudos desenvolvidas dentro do Programa de Iniciação Cientifica, orientados por pesquisadores, igualmente integrantes do GEPHE.

Assim temos o trabalho intitulado “Uma compreensão historica acerca da exploração sexual comercial infanto-juvenil” desenvolvido e apresentado por Suzana Tomal Brondani, orientada pela doutoranda Ednéia José Martins Zaniani. A seguir temos o trabalho intitulado “Antecedentes da reforma psiquiátrica no Brasil nas primeiras décadas do século xx” desenvolvido e apresentado por Gabriele da Silva Rodrigues e Julia Doré da Rocha sob orientação da  doutoranda Renata Heller de Moura. Temos também a apresentação do estudo intitulado “Publicações oficiais sobre saude mental: alguns apontamentos” por Taise Silveira Ferres, orientada pela Dra. Roselania Francisconi Borges. Finalmente, Amanda Cristina Pires Zampieri e Bruna Flávia Serafim Couto apresentam o estudo intitulado “O aborto como medida de eugenia negativa nas primeiras décadas do século XX”, orientada pela Drª Lilian Denise Mai. São estudos que nos possibilitam visualizar alguns dos setores da sociedade que foram objeto de preocupações e propostas de encaminhamentos dos adeptos da higiene mental e da eugenia. Salvaguardada a diferença de tempo transcorrido e na sequencia as necessidades e limitações históricas do período, tais estudos nos permitem também observar proximidade deste ideário com propostas e encaminhamentos da atualidade.

Referencias

 

EM SEIS DIAS de operação na cracolândia, 48 foram presos. (2012, 9 jan.2012). Folha de São Paulo. São Paulo. Caderno Cotidiano. Recuperado em 18 jun. 2012 de http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/

 

 

FONTENELLLE,, J. P. (1925) Hygiene mental e educação. Archivos brasileiros de hygiene mental. Rio de Janeiro, Ano. I, n. 1, p. 1-10, jan./jun.

 

LOPES, R. J. (2005, 3 de setembro). Governador de SC louva eugenia em artigo. Folha de São Paulo. Caderno Folha Ciência. Recuperado em.17 de junho 2012 de http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=31160

 

MAIEROVITCH, W. (2012, 14 de janeiro). O terror higienista. Carta Capital. Recuperado em 10 de junho, 2012, de www.cartacapital.com.br/sociedade/o-terror-higienista..

YAN, M. (1959). Higiene Mental. 3. Ed. São Paulo. Editora EDIGRAF.

 


[1] Nos anos 1950, as prostitutas foram obrigadas a migrar da Luz para o bairro do Bom Retiro. Passados alguns anos, a prostituição e o rufianismo voltaram à Luz, em um confinamento chamado de Boca do Lixo. Nos anos 90, a Boca do Lixo cedeu lugar à Cracolândia. Um quadrilátero onde habitam ao menos 400 dependentes químicos e, diariamente, 1.664 usuários compram crack de pessoas a serviço de uma rede de abastecimento que as polícias estaduais nunca incomodaram. Em janeiro de 2012 houve uma operação policial por alguns dias que resultou na prisão de varias pessoas, internação de outras e na maioria dos casos a dispersão dos usuairios para outras ruas da região. (EM SEIS DIAS... 2012)


Palavras-chave


políticas públicas; higiene mental; eugenia

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