Última alteração: 2012-07-25
Resumo
O presente resumo apresenta uma reflexão sobre as dificuldades encontradas por estagiários de Psicologia do Trabalho em suas práticas, quando estas se inserem em contextos organizacionais cujos gestores fundamentam-se no modelo cartesiano de se pensar a organização e a relação homem-trabalho, mais especificamente, quando apoiam esta compreensão no modelo taylorista da Administração Científica (AC).
Apesar dos paradigmas científicos tradicionais que sustentam as teorias hegemônicas da Psicologia no contexto do Trabalho, em sua fase/face da Psicologia Industrial, principalmente a Administração Científica (Freitas, 2002), serem transcendidos por concepções de cunho crítico, encontramos ainda muitos gestores de empresas que preferem conceber o mundo do trabalho dividido entre aqueles que pensam e aqueles que executam, dicotomizando o homem entre corpo e mente, cujos corpos são significados como um corpo-máquina utilitário à produção.
Podemos entender a persistência da compreensão do contexto do trabalho e de suas relações por este viés reducionista. Legado de uma ciência administrativa nascida no bojo do sistema capitalista ao qual se implicou com seus ideais de produção. Tão qual a ciência psicológica ratificou tal ideal, por também ser criada nos propósitos adaptativos e funcionais do ser humano. Compactuando ambas com a necessidade de controle do homem capitalista soberano, erigiram métodos e instrumentos disciplinares que reificaram os trabalhadores, retirando-lhes sua dignidade.
Não obstante, o homem enquanto máquina e mercadoria, haja vista o estabelecimento do preço de seu trabalho, apresenta-se como síntese passiva da história da produção industrial. Contraditoriamente, aqueles que superaram esta maneira de compreender o mundo do trabalho, desvelando-a como projeto de controle e de poder, redutor das possibilidades de ser-no-mundo-do-trabalho, geralmente são percebidos como ameaças a ordem vigente. Eis aí o grande desafio para os estagiários de Psicologia e psicólogos, principalmente no que tange ao contexto das organizações/instituições.
Após os anos 1970, temos acompanhado superações do paradigma cartesiano no ensino da Psicologia, principalmente na área da Psicologia das Organizações e do Trabalho, quando então criticada pelos psicólogos sociais críticos, por seus saberes e fazeres comprometidos com a classe dominante (Jacques, 1989, 1990). Fundamentos que contextualizam sua história, que realizam o diálogo entre o singular e o universal, o indivíduo e o social e que não retiram de quaisquer partes envolvidas suas responsabilidades pela história e pelo devir, engrossam e enriquecem a produção do conhecimento na academia.
Destarte, as relações estabelecidas entre estagiários de Psicologia e gestores organizacionais nem sempre constroem um ambiente confortável e seguro para ambos. A ambiguidade de visão de mundo e de projetos podem criar um palco de tensão que exigirá, principalmente dos estagiários muita maestria para superar os impasses. Acreditamos que nestes casos, é preciso conscientizar-se de que o conhecimento por si só será reconhecido como uma verdade se uma outra consciência o ratificar como tal, e no nosso cenário, ambas maneiras de conhecer o mundo do trabalho, dos estagiários e dos gestores, são contraditórias.
Estas são verdades e não são ao mesmo tempo, por serem transcendências-transcendidas por cada uma das partes. O reconhecimento dos estagiários desta condição ambígua faz-se necessário para se manter a coerência da ação, caso contrário, o que veremos é o ato de má-fé (Sartre, 1997), ao negarem a própria possibilidade de transcendência da situação e, contraditoriamente, firmando-se enquanto detentores das verdades, agindo por fim, tal qual a situação que contestam, para assim fugirem da angustia que os solapam no contato com o devir.
Sobre atitude de má-fé, Sartre (1997) a explica através da ambiguidade da consciência, ela é o que não é e não é o que é. Sendo toda consciência intencional para alguma coisa, pela mesma ter como fundamento o nada, ela só surgirá quando captarmos alguma coisa que está no mundo, sendo assim, a consciência é um nada e não será o que visa. Outra questão é a temporalidade, que se dá pela consciência. Qualquer mudança do estado das coisas não decorre tendo como causa este estado em si. O estado das coisas é passado, já está ai no mundo. Se fosse ele o motivo da mudança recairíamos num pensamento determinista, mas ao contrário, segundo Sartre (1997), o que nos move a transcender algo é a capacidade da consciência de se projetar no futuro e vislumbrar o que este estado das coisas não é, ou seja, outras possibilidades que não a atual. Só que, como não podemos mudar as coisas no futuro retornamos ao presente e estas outras possibilidades vislumbradas iluminarão o que falta no estado das coisas do presente. Assim, é a negatividade e o futuro enquanto possibilidades que nos movem a transcender o presente.
A partir desta compreensão, superar o estado das coisas em um ambiente organizacional será uma tarefa que não dependerá somente de uma das partes, no nosso caso ou somente dos gestores, ou somente dos estagiários. Há de se criar alguma saída diante do impasse. As saídas possíveis devem ser promovidas considerando-se a materialidade da empresa, os outros enquanto aqueles diferentes de nós, logo podendo apresentar projetos distintos para o trabalho. Quanto à intervenção diante deste conflito, o método progressivo-regressivo é utilizado para a clarificação da maneira como gestores posicionam o projeto da empresa para eles, haja vista que nem sempre temos consciência crítica de nossos projetos. Muitas das vezes, transcendemos o presente em direção ao futuro, vislumbrando-o tal qual o estado das coisas apresenta-se na situação atual. A manutenção do projeto dificulta a ação de terceiros. Dessa maneira, engendrar uma atividade promotora de mudanças sem que os envolvidos se impliquem com elas seria atuar como soberano, sem o reconhecimento da alteridade e da liberdade do outro.
A possibilidade de promover diálogos para que se explicitem possíveis projetos distintos, independente de qual parte, torna-se uma empreitada na busca coletiva de elucidação do conflito, enquanto estado das coisas presentes e enriquecer as possibilidades para se construir novas saídas.