Última alteração: 2012-07-16
Resumo
Marina Beatriz Shima Barroco[2]*
Fabiana Meirelles Almeida Costa3
Marilda Gonçalves Dias Facci4
A formação do psicólogo para atuar na área escolar tem sido objeto frequente de pesquisa demonstrando que os cursos de formação em Psicologia nem sempre tem preparado os alunos para intervirem na área escolar. Historicamente, os cursos de Psicologia tem direcionado esta formação para atuação na área clínica, desta forma, quando o psicólogo chega no espaço escolar, defronta-se com uma realidade pouco estudada na graduação. Assim, o objetivo geral deste trabalho é analisar como tem ocorrido a formação do psicólogo para atuar na educação, a partir de levantamento bibliográfico, utilizando como aporte teórico a Psicologia Histórico-Cultural.
A psicologia enquanto ciência foi desenvolvida no Brasil a partir de conhecimentos advindos do continente europeu e dos Estados Unidos no final do século XIX. Estava calcada, portanto, na filosofia positivista e racionalista, seu escopo estava na compreensão e controle de comportamento, voltado para a aplicação na medicina ou na educação. A Psicologia Escolar, então, tem suas origens fundadas nestes modelos classificatórios.
Somente em 1962 é que foi aprovado o curso de Psicologia na Universidade de São Paulo. A Lei 4.119 passou a reger a profissão de psicólogo bem como dispor o curso de formação em Psicologia. De acordo com Yazlle (1990, p.35) nesta lei estava implicado, como função do psicólogo: “a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamentos”. Com esta lei, fica claro que desde a sua implantação, a psicologia concentrava suas atividade em três principais áreas: clínica, educacional e trabalho.
Apesar de haver estes três grandes eixos, de acordo com Cruces (2009), a formação do psicólogo era mais voltada para atuação na área clínica. Dessa forma, esse psicólogo chegava ao mercado de trabalho despreparado para lidar com a demanda de problemas e estava distante da realidade social da população brasileira. O modelo mais frequente de atuação destes psicólogos escolares era o modelo clínico, caracterizado por uma visão naturalizante e individualizante.
A partir dos anos de 1970 começaram a ser criadas condições para uma revisão crítica de trajetória da Psicologia educacional/escolar no Brasil com a defesa da tese de Maria Helena Souza Patto, publicada posteriormente no livro Psicologia e ideologia- uma introdução crítica à Psicologia escolar. Patto (1987) faz uma leitura crítica das relações da escola com a sociedade e também com a Psicologia Escolar, no marco de uma formação social capitalista. A partir de então é que psicólogos e educadores começam a realizar críticas aos resultados fragmentados que vinham obtendo, ao modelo clínico adotado, ao papel de psicometrista, às análises descontextualizadas e à falta de uma maior inter-relação entre Psicologia e Educação.
Com o objetivo de anunciar a necessidade de relacionar teoria e prática na graduação de propor uma formação básica e geral, que dê atenção às necessidades locais e de impor a impossibilidade de dissociação entre ensino, pesquisa e extensão, por meio das ênfases que aparecem no currículo, é que em 2004 foram assinadas as diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação em Psicologia. No entanto, Cruces (2009) afirma que apesar dessa tentativa, o que se percebe ainda é a dificuldade em articular ensino e pesquisa com teoria e prática ao longo do processo de formação. O que se percebe portanto, ao surgirem críticas à dissociação entre teoria e prática, às visões naturalizantes e individualizantes, é uma busca por uma intervenção crítica que tenha a concepção de escola como um meio para transformação social e, nesse sentido, recorremos a Psicologia Histórico-Cultural para pensar em uma formação crítica.
A Psicologia Histórico-Cultural pode auxiliar o psicólogo, desde a sua formação, a compreender os determinantes históricos-socias que devem permear a formação e atuação do psicólogo escolar. Deste modo, a Pedagogia Histórico-Crítica, elaborada por Dermeval Saviani, e a Psicologia Histórico-Cultural, iniciada por L. S. Vigotski (1896-1934) e continuada por A. N. Leontiev (1903-1979) e A. R. Luria (1902-1977), tem como base filosófica o materialismo histórico dialético, de cunho marxista, que nega o idealismo de forma a considerar a totalidade do concreto. O homem é visto como ser concreto e social, que se constrói em relação com o outro. E neste contexto, a Psicologia deve se ater ao papel do homem no processo histórico de forma dialética.
A partir desta visão de homem, Meira (2003) conclui que a educação é uma forma de transformação social do homem enquanto ser histórico e isso orienta o psicólogo escolar a definir suas áreas de intervenção e alternativas. Assim, este tipo de reflexão promove um rompimento com o paradigma clínico e deslocado da realidade social. A Psicologia Escolar de acordo com Meira (2003) tem como função social contribuir de forma que a escola desempenhe o papel de socialização do conhecimento e proporcionar uma formação crítica, favorecendo os processos de humanização. Saviani (2003) deixa claro que a escola tem que instrumentalizar os alunos, por meio da apropriação do conhecimento, para conhecer a realidade de forma mais ampla. Vigotski (2000), por sua vez, deixa claro, também, que a aprendizagem promove desenvolvimento psicológico, ou seja, que por meio da aprendizagem dos conhecimentos científicos o aluno amplia sua capacidade de pensar. Deste modo, consideramos que seja de suma importância que na formação do psicólogo escolar esta visão esteja muito clara, de modo a evitar intervenções alienadas da realidade social e calcadas na culpabilização dos indivíduos de problemas que são construídos socialmente.
A PESQUISA: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os procedimentos da pesquisa foram realizados a partir de pesquisas bibliográficas que foram feitas acerca da temática: formação do psicólogo para atuar na educação. Para a coleta de dados sobre a formação do psicólogo fez-se pesquisa no portal de teses e dissertações da CAPES com as seguintes palavras chave: formação + psicologia + escolar, sem critério de autor, instituição ou data de publicação. Foram obtidos 748 dados, no qual estes foram distribuídos de acordo com o tema principal, em uma tabela com 23 categorias. A partir dos resultados tabelados, selecionou-se o grupo que se encontravam nas seguintes categorias: formação do psicólogo, formação/atuação do psicólogo e queixas escolares, no qual somaram 118 resultados. A partir da leitura dos resumos destes 118 documentos, selecionou-se 25 no qual estavam mais relacionados com a pesquisa em questão. Esses resumos foram lidos e analisados.
Nossa amostra foi constituída de 19 dissertações e seis teses de doutorado. Os trabalhos foram realizados em 11 Programas de Pós-Graduação em Educação e 14 em Programas de Pós-Graduação em Psicologia, demonstrando que a formação está presente nessas duas áreas.
Analisando as temáticas das 25 dissertações e teses observamos que sete trabalharam com formação acadêmica, supervisão e estágio curricular muitas vezes analisando currículos de disciplinas e documentos vinculados à formação. Outra temática que apareceu em sete produções foi a relacionada à formação e prática do psicólogo escolar. Além disso, aspectos como identidade do psicólogo escolar, formação continuada, relação teoria e prática, arte como recurso para a atuação do psicólogo escolar também foram mencionados. Uma característica que vimos nas pesquisas é que estas discutem a formação do psicólogo escolar frequentemente em de cidades e universidades específicas.
A partir das análises destes documentos constatamos que somente quatro trabalhos apresentaram a fundamentação teórica no qual o trabalho estava embasado. Apesar de muitos trabalhos citarem que estavam se utilizando de uma visão crítica, os mesmos não apresentavam em qual teoria esta visão crítica estava assentada. Entendemos que a falta de uma delimitação teórica implica em ambiguidades, uma vez que a visão de homem, escola e psicologia escolar não sendo bem definida podem conduzir ao ecletismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Examinamos que em geral, para tratar sobre a formação do psicólogo escolar, os trabalhos retomam a história da psicologia para relacionar com a história da psicologia escolar, conforme destaca Fírbida (2012). Observou-se que alguns marcos históricos se fazem muito presentes na literatura pesquisada e influenciaram e influenciam a prática profissional na área escolar. O primeiro ponto se refere à origem da Psicologia vinculada à Medicina e às Escolas Normais. O segundo se refere à regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil em 1962, regulamentada pela Lei 4.119. A partir desta regulamentação, por meio do Parecer 403 (1962) foi elaborado e aprovado pelo Conselho Federal de Educação, em 19 de dezembro de 1962, um currículo mínimo para a formação em bacharelado, licenciatura e preparação para psicólogo. Neste currículo mínimo algumas disciplinas que podiam fundamentar mais a atuação do psicólogo escolar, ficavam condicionadas às ofertas das instituições, o que poderia contribuir para uma formação de profissionais sem um conhecimento mais aprofundado sobre a atuação no âmbito escolar. Ficou evidente também, que as disciplinas obrigatórias privilegiavam um modelo tradicional de atuação.
Um terceiro marco histórico muito citado nas obras estudadas tratava-se das críticas feitas ao modelo tradicional de atuação do psicólogo feitas a partir da década de 1980 com a divulgação da obra de Maria Helena Souza Patto, intitulada Psicologia e ideologia - uma introdução crítica à psicologia escolar, publicada em 1987 (Patto, 1987). Muitas críticas se seguiram em relação a uma Psicologia Escolar tradicional que mantinham um modelo clínico de atuação e uma visão estigmatizante em relação aos alunos das camadas populares.
E por fim, encontramos em evidencia também nas produções que tratam da Psicologia Escolar a aprovação das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Psicologia em 2004. Essas Diretrizes Curriculares elencam habilidades e competências gerais que as instituições de ensino superior devem preocupar-se em desenvolver nos alunos para o futuro exercício da profissão. As instituições devem oferecer pelo menos duas ênfases curriculares para que o aluno possa fazer uma opção entre elas, no sentido de direcionar a sua formação. A partir deste momento, conforme se pode constar na literatura que trata da formação do psicólogo para atuar na área escolar, que a ênfase na área escolar nem sempre é ofertada nos cursos de graduação, o que pode dificultar aos futuros profissionais conhecimentos específicos para atuar no âmbito educacional e, desta forma, direcioná-los para uma intervenção clínica.
Referências
Cruces, A. V. V. (2009). Desafios e Perspectivas para a Psicologia Escolar com a Implantação das Diretrizes Curriculares. In: C. M. M. Araújo (Org.), Psicologia Escolar novos cenários e contextos de Pesquisa, Formação e Prática. (pp. 15-34). Campinas: Alínea.
Fríbrida, F. B. G. (2012). A formação do psicólogo no estado do Paraná para atuar na escola. Mestrado em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá.
Meira, M. E. M. (2003). Construindo uma concepção crítica de Psicologia Escolar: Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Sócio-Histórica. In A. M. B. Bock; A. K. A. Checcia; M. P. R. Souza, Psicologia escolar: teorias críticas. (pp. 13-78). São Paulo: Casa do psicólogo.
Patto, M. H. S. (1987). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A . Queiroz,
Saviani, D. (2003). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. (8. ed) Campinas: Autores Associados.
Vigotski, L. S. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
Yazlle, E. G. (1990). A formação do psicólogo escolar no Estado de São Paulo - subsídios para uma ação necessária. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
[2] Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: marina.shima@gmail.com
3 Acadêmica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E-mail: fabimac@hotmail.com
4.Mestrado em Educação pela UNESP-Marília; Doutorado em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; Pós-doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP; professora do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: mgdfacci@uem.br