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DO LÚDICO AO LÚBRICO: O ASSALTO À INDIVIDUALIDADE.
Juliana araujo alencar, eduardo oliveira sanches

Última alteração: 2012-07-16

Resumo


Neste trabalho propomos problematizar a constituição subjetiva dos indivíduos, na contemporaneidade, no que tange a capacidade simbólica. Entendemos que a importância desta reflexão justifica-se na aceitação da prerrogativa freudiana de que o indivíduo somente se constitui enquanto alteridade a partir do contato com o outro, mas separando-se deste organizando a si e o seu entorno simbolicamente (Freud, 1923/2007). Ao se estabelecer uma reflexão sobre o modo pelo qual os indivíduos se singularizam, não devemos nos furtar à compreender o momento histórico atual, por ser a cultura que fornece elementos validadores para a organização simbólica dos indivíduos (Freud, 1930/1938-1981). Para tal discussão teremos como aporte teórico a Psicanálise e a Teoria Critica da primeira geração da Escola de Frankfurt. Convém apontar que, para traçarmos esses percursos, foi utilizado o procedimento metodológico de pesquisa bibliográfica norteada pelo método interpretativo qualitativo da Pesquisa Qualitativa (Rey, 2005).

Nossa reflexão parte de uma importante constatação feita por Adorno (1995, p.47) de que “(...) a manipulação racional do irracional, constitui um privilégio dos totalitários”, percebemos que considerar apenas o conjunto dos elementos simbólicos de uma dada sociedade seria cair e um grave equívoco metodológico, pois tencionaríamos analisar apenas uma parte das determinantes sócio-históricas que compõe a formação dos aspectos representativos na contemporaneidade. Ou seja, se por um lado os elementos culturais são fundamentais, pois constitui uma parcela decisiva do processo civilizatório dos indivíduos, por outro lado esses mesmos elementos culturais estão comprometidos com os aspectos ideológicos de sua época. Assim, buscamos, neste estudo, relacionar algumas das análises apresentadas pela primeira geração da Escola de Frankfurt sobre o modo pelo qual a cultura tem sido construída na era industrial e as consequências (semi)formativas para a vida humana.

Em tal contexto, principalmente no momento em que os meios de comunicação ganharam maior grau de sofisticação e permeabilidade social, os elementos simbólicos, pouco a pouco, adquiriram maiores características mercantis. A sexualidade, a sensualidade, os afetos, a felicidade, os anseios e aspirações, atributos humanos que impelem o sujeito a alguma forma de movimento em relação a si e ao outro passaram a ser mesclados as determinantes do modelo social capitalista em sua configuração contemporânea (Bauman, 2009).

As formas de expressão e representação que, em tempos ancestrais, foram fundamentais para que se pudesse construir o início do que chamamos de civilização, atualmente envolvem o sujeito em uma complexa trama nos quais estereótipos e sucedâneos se impõem como substitutos das necessidades humanas. Tais clichês e chavões, por meio de mecanismos ideológicos, aparecem como resultado daquilo que subjaz o próprio ser humano e suas necessidades e não como derivação de arranjos e desarranjos históricos e econômicos. Aquilo que é absolutamente necessário para a manutenção do capital surge como se fosse imprescindível a sustentação da vida humana.

A indústria cultural, na vertente compreendia por Max Horkheimer e Theodor W. Adorno na obra ‘Dialética do Esclarecimento’ (1985) constitui-se como um importante mecanismo ideológico de embotamento dos sentidos e da reflexão sobre os elementos simbólicos e objetivos da realidade histórica dada.   Na mescla entre elementos lúdicos e lúbricos, em que divertimento, arejamento do espírito e distração são atravessados por sutilezas ideológicas, a percepção humana, pouco a pouco e numa crescente, vai sendo educada e impulsionada a incorporar a ideologia de forma irrefletida. Em tal contexto, as experiências que envolvem uma dimensão lúdica, ao serem ofertadas como forma de prazer efêmero e reduzido a si mesmo, isolam-se da totalidade histórica.

Por meio de mecanismos e recursos ideológicos como os mencionados, os indivíduos são sabotados pelo que tem de mais intimo e em sua intimidade: a permeabilidade psíquica constitucional permite que sejamos atingidos/preenchidos em nosso inconsciente por conteúdos que não encontram a barreira protetora de um ego atuante capaz de realizar sua função de avaliar/ discernir/ refletir (Caniato, 2009). Destarte, os indivíduos passam a atuar indiscriminadamente os valores, os hábitos e os costumes impingidos pela indústria cultural, esvaziados de si mesmos.

Deste modo, uma série de experiências danificadas permeiam a construção do sujeito em que o real e o fantástico são deslocados para um diálogo ideológico que se presta a atribuir valores e necessidades humanas àquilo que tem interesse e motivação estritamente econômica. Ao articular mercadoria e afeto, veiculando via mídia, um como substituto do outro, constata-se que conceito de lucro é associado a sensações de euforia, bem-estar, angústia, alegria, tristeza, adrenalina, entre outros, sempre tendendo a uma forma de padronização dos significados de aspectos importantes à constituição da subjetividade. O consumo de objetos não visam a satisfação de uma necessidade da ordem física, por exemplo, mas passam a serem consumidos como garantia de satisfação das necessidades afetivas e até mesmo como sustentáculo do sentimento de identidade (Bauman, 2010).

Os indivíduos aos serem formados por tais elementos, no plano individual e coletivo, esmaecem, pois ao internalizar os ditames da indústria cultural de forma irrefletida não conseguem discriminar o seu desejo do que lhe é imposto com o objetivo de manutenção do status quo. O indivíduo da atualidade aceita o produto da indústria cultural como fato acabado em si, de modo a não promover a ação do pensar fundamental para o fortalecimento do ego por ampliar seus limites representacionais. Segundo Freud (1895/2003), o pensar tem a função de ampliar a capacidade de diferenciação dos indivíduos fortalecendo o sentimento de unidade histórica, mas se a busca representacional para a satisfação do desejo não é realizada de forma mediada pelo pensar, os indivíduos estariam agindo sob os ditames dos processos primários, ou seja, sem grivo algum, somente visando à descarga independente do objeto de satisfação ser adequado ou não.

Lash (1986) argumenta que os indivíduos presos aos emaranhados de um mundo eminentemente projetivo tornam-se frágeis e dependentes e por essa razão tem em si corroída a sua capacidade de entender e atuar no mundo de forma a prover suas próprias necessidades. São cooptados e esvaziados de sua própria historia libidinal levando a derrocada do indivíduo, pois a instância psíquica responsável pela mediação mundo externo/ mundo interno, o ego, por não ter acesso os elementos culturais de forma a conhecer, estranhar e reconhecer não é capaz de estabelecer o que lhe é ou não benéfico vivendo a matroca da ideologia violentadora escamoteada da indústria cultural.

 

 

Referências

Adorno, Theodor W; Horkheimer, Max. (1985). O conceito de Esclarecimento. In _____. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. (p.19-52). Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra..

Bauman, Z. (2009). A arte da Vida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Bauman, Z (2010). Capitalismo Parasitário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Caniato, A. M. (2009). Os (des) caminhos na Psicanálise: a busca de compreensão da subjetividade e de seu sofrimento na contemporaneidade. In. A constituição do sujeito e a historicidade. Campinas: Alínea.

Freud, S. (2003). Projeto para uma Psicologia Científica. In: Gabbi, O.F. Notas a projeto de uma psicologia: As origens utilitaristas da Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. Originalmente publicado em 1895.

Freud, S. (2007). O Ego e o Id. In: ______. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v. 3. Rio de Janeiro: Imago. Originalmente publicado em 1923.

Freud, S. (1981). El malestar en la cultura. In ______. Obras Completas. v.3. Madrid: Biblioteca Nueva.  p. 3018-3067, originalmente publicado em 1930.

Freud, S. (1981).  Compedio Del Psicoanalisis. In ______. Obras Completas. v.3. Madrid: Biblioteca Nueva. p. 3379-3418, originalmente publicado em 1938.

Lasch, C. (1986) O mínimo Eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo: Editora Brasiliense.

Rey, Fernando L. González. (2005). Pesquisa Qualitativa e Subjetividade – Os processos de construção da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

 


Palavras-chave


Individualidade; Psicanálise; Teoria Crítica

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