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A vivência de idosos na Universidade Aberta à Terceira idade: contribuições para mudanças de projetos de vida
Raissa Bueno Fachinello, Lais Amanda da Silva, Larissa Thiwae Nagatani, Taiane do Nascimento Andrade, Lucia Cecilia da Silva

Última alteração: 2012-07-25

Resumo


Introdução

 

O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa de campo de natureza descritiva compreensiva, realizada na Universidade Estadual de Maringá. Essa pesquisa teve como objetivo investigar, a partir de uma perspectiva fenomenológica heideggeriana, como se constitui a vivência da velhice dos idosos após passarem pela experiência de participarem do movimento Universidade Aberta a Terceira Idade, da Universidade Estadual de Maringá (UnATI/UEM).

De acordo com o Estatuto do Idoso do Ministério da Saúde (2003) indivíduos com mais de 60 anos são considerados idosos. Entretanto, para Alves Junior (2004) a velhice é mais uma categoria criada culturalmente, sendo a idade uma variável biológica, socialmente manipulada. Também devem ser levados em conta aspectos como a influência do meio ambiente, das condições de trabalho, da classe social e do modo de vida.

Siqueira, Botelho e Coelho (2002) destacam que a Organização Mundial da saúde (OMS) considera o período de 1975 a 2025 como sendo a Era do Envelhecimento. No Brasil, segundo dados do IBGE, na década de 1970, cerca de 4,95% da população era idosa, na década de 1990 esse número pulou para 8,47% e, de acordo com Araújo; Sá; Amaral (2011) dados do IBGE referentes ao ano de 2010 revelam que em média havia 21 milhões de brasileiros que possuem 60 anos ou mais, isso representa 11,1% da população. Esses números demonstram um intenso processo de envelhecimento no Brasil e dizem respeito à esperança de vida que foi prolongada devido aos estudos e avanços conquistados durante os anos, tais como prosperidade econômica, melhoria da higiene e melhor alimentação. Em 1950/1955 a expectativa de vida era 33,7 anos na população brasileira, em 1990 foi para 50,99 anos, chegando até 66,25 em 1995 e deverá alcançar 77,08 anos em 2020/2025.

            Alves Junior (2004) ressalta que o processo de envelhecimento repercutiu e continua repercutindo nas mais diferentes esferas da estrutura social, econômica, política e cultural da sociedade uma vez que essa população possui demandas específicas para obtenção de adequadas condições de vida. Diante desse fato passaram a ser preocupações questões relacionadas à promoção da saúde e do bem-estar do idoso, como integrar as diversas gerações buscando diminuir os preconceitos. Tanto o lazer como a educação, tornaram-se alternativas de manter inseridos os que envelhecem, auxiliando-os, assim, a assumirem um papel mais ativo na sociedade.

Garantir o bem-estar do idoso permeia questões como proporcionar que este tenha condições econômicas suficientes para se manter física e psicologicamente, ou seja, manter-se saudável, como também garantir que os seus direitos como cidadão sejam respeitados. A glamourização do envelhecimento ativo, engajado e saudável acaba por maquiar as injustiças que ocorrem na prática. Dessa forma, os indivíduos que não se inserem nesse quadro de envelhecimento são excluídos e condenados por não se enquadrarem no que é posto como ideal para essa população.

O envelhecimento não provoca apenas mudanças físicas e psicológicas, mas também sociais, interferindo consideravelmente nas relações do indivíduo com o meio social. Quando o idoso não se adapta, fica inadequado aos padrões ideais impostos pela sociedade, como corpo rejuvenescido e envelhecimento ativo, que compromete o respeito e a visão de igualdade dos demais para com os idosos. A perda do papel profissional é o fator de dificuldade de adaptação que mais aparece nos centros urbanos, já que a sociedade dá muita importância à funcionalidade dos indivíduos. A perda do trabalho, por mais desagradável que este tenha sido, sempre coloca o indivíduo frente a uma nova situação de vida em que o exercício profissional não está inserido. Além da funcionalidade, o trabalho proporciona relações interpessoais, identificação com outras pessoas ou com causas sociais. O trabalho dá ao indivíduo um sentimento de utilidade, de valor, de prestígio e a identidade social que é necessária para o equilíbrio do homem (Salgado, 1982).

O idoso que não se adapta adequadamente às novas situações, frequentemente, se destina ao isolamento, na tentativa de fugir do ambiente hostil que provoca sofrimento, na medida em que as interações com as outras pessoas reduzem consideravelmente. Junto a esse isolamento crescem os sentimentos de inutilidade e solidão e uma visão negativa da velhice toma conta da vivência do idoso (Salgado, 1982).

            A atividade e o isolamento devem ocorrer de forma que proporcionem ao indivíduo o equilíbrio necessário para a vivência satisfatória dessa etapa da vida. A atividade proporciona ao indivíduo a integração e o crescimento, e o isolamento permite que se afaste daquilo que não lhe é agradável, que não lhe convém (Salgado, 1982).

                                De acordo com Veras e Caldas (2004) neste contexto surge um novo paradigma pós-moderno que valoriza a diferença social e cultural, na qual o conhecimento moderno e científico é superado e finda-se a hierarquia entre os desiguais. Trata-se de um novo modelo que tem como princípio ético a participação e a solidariedade, relacionados à ciência e ao mundo da vida. Para construir esse novo referencial é preciso garantir a cidadania a todos. Faz-se necessário um esforço político para atender as demandas da terceira idade.

            Uma grande mudança ocorreu após a Segunda Guerra Mundial: a educação deixou de ser algo destinado somente às crianças e aos jovens, e passou a ser promovida também aos adultos e aos idosos. Entretanto, o pensamento predominante até os anos 1960 era de que o ciclo da vida se dividia em: educação para a infância e a juventude; trabalho para os adultos; e o descanso e lazer, destinados à velhice. A partir de 1960 esse conceito passou a ser questionado, devido ao envelhecimento populacional e às novas exigências do mercado de trabalho, o surgimento do movimento UnATI exemplifica concretamente essa mudança (Doll, 2007).

O movimento de Universidades da Terceira Idade vai ao encontro da proposta de acesso a cidadania para todos, uma vez que visa resgatar o valor social do idoso, elevando os níveis de saúde mental e social desta população, a partir de uma ação interdisciplinar comprometida com a inserção do idoso ativo na sociedade. Para tanto, utiliza uma metodologia que adapta as especificidades deste grupo no desenho de um programa voltado para uma atenção integral à saúde do idoso, levando em conta como repassar as informações; para isso, utiliza metodologias ativas, nas quais o aluno idoso participa de forma crítica e criativa do processo de ensino/aprendizagem. Além disso, a UnATI propicia o convívio de diferentes gerações como estratégia para diminuir a discrepância de valores e conceitos, caracterizando-se como um centro de troca de experiências e saberes.

            A primeira Universidade da Terceira Idade foi criada em 1960 na França, com o objetivo de ocupar o tempo livre dos idosos. Em 1973, também na França, surgiu a primeira UnATI criada pelo professor Pierre Vellas, na cidade de Toulouse, agora voltada para o ensino e pesquisa e também como centro de pesquisas gerontológicas (Liberato, 1996). A partir de então começam a surgir Universidades da Terceira Idade seguindo esta mesma proposta. De acordo com Liberato (1996), no Brasil as faculdades para a terceira idade expandiram-se rapidamente. A primeira iniciativa surgiu em 1977 no SESC/SP em Campinas, com a criação da “Escola Aberta da Terceira Idade”, uma adaptação da Universidade Aberta da Terceira Idade existente na França e a primeira UnATI foi na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1983. A UnATI/UERJ surgiu em 1993.

Criada no final de 2009, a Universidade Aberta à Terceira Idade da Universidade Estadual de Maringá é um órgão suplementar ligado à reitoria da Universidade, e diferentemente da maioria das UnATIs engloba toda Universidade, todos os centros e departamentos. Seu projeto teve início em 2008, por solicitação do então reitor professor Décio Esperandio e do vice-reitor professor Mário de Azevedo. Foi criada uma comissão presidida pela professora Marly Lamb (departamento de Psicologia) da qual faziam parte o professor Claudio Stieltjes (departamento de Filosofia e atual coordenador geral da UnATI), a professora Regina Taam (departamento de Teoria e Prática da Educação, atual coordenadora pedagógica) e a professora Sheila Regina Martins  (departamento de Psicologia e parte do corpo docente da UnATI).

            Segundo o coordenador geral, a UnATI/UEM vai ao encontro do Estatuto do Idoso, que defende a educação permanente como instrumento eficiente para a valorização e reconhecimento do idoso como um cidadão atuante, participativo e, por isso, merecedor de atendimento com qualidade. O seu principal objetivo não é ocupar o tempo ocioso dos idosos nem formar competências, mas garantir qualidade de vida, autodesenvolvimento pessoal e a inserção na comunidade acadêmica, proporcionando trocas de experiências e conhecimentos, além de dar oportunidade aos idosos de redescobrirem novas formas de viver.

            A UnATI visa possibilitar aos idosos a realização de capacidades que por algum motivo não puderam realizar. Com esse intuito, são oferecidos cursos referentes à arte, cultura, processos e procedimentos comunicativos, saúde física e mental, direito e cidadania, meio físico e social e humanidades, além de estudos e pesquisas nas áreas de gerontologia e geriatria. Tais cursos são oferecidos gratuitamente a pessoas com mais de 55 anos de idade.

 

Objetivo

 

O principal objetivo do presente trabalho consiste em levantar os principais aspectos da vivência de idosos que frequentam a UnATI relacionando-os ao seu estágio de vida.

 

Método

 

            Participaram da pesquisa cinco idosos frequentadores da UnATI/UEM com idades variadas entre sessenta e um anos a setenta e oito anos, sendo dois do sexo masculino e três do sexo feminino, todos assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.  Na pesquisa original, foi realizado um levantamento bibliográfico acerca da velhice, que serviu de base para análise dos dados obtidos através de entrevistas semi-estruturadas. Para a coleta de dados, foi utilizada a entrevista com uma pergunta norteadora, a partir da qual o sujeito relata sua experiência. No decorrer das entrevistas, outras perguntas se fizeram necessárias para mais detalhes e esclarecimentos. Os discursos dos entrevistados foram lidos exaustivamente e foram elencadas oito unidades de significados, das quais três são abordadas neste trabalho: concepção da velhice, vivência da terceira idade e mudanças ocorridas após o ingresso na  UnATI/UEM.

            Para a análise das entrevistas foi utilizado o método hermenêutico. “A reflexão hermenêutica consiste na dialética da interpretação do significado dos dados de pesquisa como um movimento dinâmico para compreensões mais profundas” (Beck, 1994 citado por Coltro, 2000 p. 42). A apropriação do conhecimento a partir do fenômeno é possível através do ciclo hermenêutico: compreensão/interpretação/nova compreensão, ou seja, primeiro há a compreensão do fenômeno, depois sua interpretação e, posteriormente, uma nova compreensão. Este método propõe uma reflexão constante e contínua sobre os questionamentos, a validade, finalidade, e importância destes. Trata-se de uma reflexão que visa trazer à tona as características e os sentidos menos aparentes do fenômeno (Coltro, 2000).

 

 

 

 

 

Resultado e discussão

 

Concepção de velhice:

 

Foi possível observar, durante as entrevistas, diferentes concepções de velhice entre os idosos. De acordo com o relato do senhor João[1], a velhice é uma fase de limitações, uma vez que ela estaria relacionada ao mal-estar físico e psíquico, “(...) não me sinto assim na terceira idade ‘né’ porque não tenho limitação nenhuma, vou ‘pro’ centro, é, consigo assim ‘vamo’ supor, hoje me sinto muito bem... fisicamente, psicologicamente (...)”. Essa visão de velhice ligada a limitações físicas, também foi apresentada por Isabel ao relacionar a Terceira Idade com dores e dificuldades físicas e cognitivas, porém, em outro momento da entrevista ela relatou que “(...) a cabeça flui, mas o corpo já não ajuda, (...) eu percebi que não era só a minha deficiência, é a deficiência talvez daquela faixa etária. Você tem vontade de fazer, mas você já não consegue”. Neste comentário aparece o sentimento de que as forças físicas não acompanham a força mental e a força de vontade. Isabel utilizou um trocadilho que demonstra sua concepção de velhice, dizendo que idoso é “talento, ‘tá-lento’”.

Laura, apesar de dizer que não sabia o que significa a Terceira Idade, apresentou ao longo da entrevista uma visão de velhice estereotipada ao referir-se a ela como um momento para ficar em casa curtindo os netos, ir dançar no “Clube do vovô” e ligada à depressão e outras doenças. “(...) Quando eu ouço falar terceira idade eu fico meio assim, porque... porque parece que a minha ficha ainda não caiu. Entendeu? Eu sempre fui muito assim, de fazer muitas coisas, entendeu?”.

Outra concepção de velhice, estereotipada e passiva foi demonstrada por Norma, como “aquele negócio de mamãe, dona de casa, vovó, esperar genro, nora (...) ficar sentadinha lá, olhando uma TV (...)”.

Destoando das demais entrevistas, Augusto apresentou uma visão da velhice extremamente positiva, que envolve amadurecimento e responsabilidade pela experiência já adquirida, além de ser uma preparação para a “partida” (morte). Ele definiu essa fase como sendo, também, um aprendizado, pois a vida é um “eterno aprender (...) o idoso tem a universidade da vida”. Segundo ele, o mais importante não é viver muito, mas viver bem, aproveitar a vida. 

 

Vivência da Terceira Idade:

 

Sobre esta categoria pode-se dizer que todos os idosos entrevistados vivenciam a velhice de forma ativa. João, após se aposentar, se envolveu em várias atividades, pois acredita que esse é o caminho para manter uma vida saudável. Dentre as atividades que realiza, organiza reuniões familiares, viagens para o país de origem da família, criou um site para disponibilizar a árvore genealógica organizada por ele, mantém uma chácara e, além de participar da UnATI, é o representante dos alunos. “(...) tempo ocioso eu não tenho”. Contudo, diz não se sentir vivenciando essa fase: “não me sinto assim na terceira idade “né” porque não tenho limitação nenhuma”.

De acordo com Augusto, esta fase é maravilhosa. Participa da criação dos netos e auxilia sua esposa na atividade de caligrafia. Durante vários momentos da entrevista apresentou um pensamento ativo e atualizado, trazendo temas como: eutanásia, ortotanásia, distanásia, obesidade e o malefício causado pelo consumo de refrigerante. Ficou claro que Augusto busca viver a vida intensamente:

 

Carpe diem [...] aproveite a vida. Lá diz: colha logo os seus botões de rosa, porque o tempo vai morrendo. Esta flor que hoje sorri cheirosa, amanhã estará morrendo. Então, vamos, vamos aproveitar, vamos aproveitar os dias que nos restam, tem que saber viver bem. Eu não quero viver muito. Não! Eu quero viver bem.

“Ah” a vida pra mim... eu devo muito pra vida, a vida não me deve nada. É... A vida só é vida quando é vivida duas vidas em uma só vida. Eu consegui isso.

 

Porque a vida não é um coração que bate, não é tão somente isto, é muito mais do que isto, é o participar, é o viver, é o aproveitar. E para tanto é preciso que exista um coração sensível para sentir e olhos atentos para ver “né”.

 

[...] ao morrer descobrir que não viveu, caramba!? Você já imaginou como você na hora da morte, meu Deus que eu fiz da vida, a vida passou e eu não fiz nada e agora eu não tenho tempo mais, não é desesperador? Agora se você “tá” no final da vida fala: “Não, a vida está chegando ao fim, mas eu vivi uma vida”, então você se, poxa vida, a morte torna-se menos, menos, é... drástica, vamos dizer, menos drástica, então você fala: “Posso morrer hoje, mas vou morrer contente, eu soube aproveitar as oportunidades que a vida me deu”.

 

[...] porque você sempre tem que buscar um objetivo na vida, realizou um, vamos para outro. [...] eu quando adolescente sonhava demais, muitos sonhos eu não consegui, mas pelo menos eu tive a felicidade de viver esses sonhos, não paga nada sonhar! Porque não sonhar? “Hein”? É.

 

 

            A vivência de Isabel é, assim como a dos outros, muito ativa, entretanto, se diferencia por ela participar de diversos projetos da universidade, além da UnATI. Isabel preocupa-se em manter uma vida saudável praticando exercícios e mantendo uma dieta balanceada. Entre as atividades cotidianas, além de participar da UnATI, visita asilos, doentes, amigas viúvas; participa do grupo de Saúde Mental, do “Amor Exigente[2]”; “Neuróticos Anônimos”[3],  CERAUP[4], PROPAE[5], NEMO [6]e outras.

Isabel percebeu a chegada da Terceira Idade de forma repentina, diz: “chegou tão rápido que eu não vi chegar, sabe? (...) de repente eu cheguei aos sessenta... num piscar de olhos”. Afirmou também que com a idade chegou a canseira e a lentidão: “eu me tornei muito lenta, muito mais lenta, eu tenho muito mais dificuldades que antes”.

Norma sente-se bem por estar vivendo este momento, se definiu como uma mulher rica de saúde, o que a deixa satisfeita. Valoriza também o fato de poder ir e voltar a pé da UnATI e ter a oportunidade de continuar os estudos, entretanto, admitiu que as dificuldades aparecem a medida que a idade avança.

 

“[...] chegar até aqui eu considero isso, uma vitória. [...] Eu me sinto bem. [...] A gente vai sentindo que as oportunidades vão diminuindo. Daqui uns dias eu não sei se posso vir a pé aqui, não sei se eu tenho quem me traz. (pequena pausa, emocionada). Vamos viver cada momento ‘né’?”.

 

Norma costuma realizar no seu dia-a-dia trabalhos manuais como tricô, crochê, bordado; aulas de teclado musical, além de frequentar a UnATI.

Por fim, tem-se a vivência da Terceira Idade de Laura, que, segundo o seu relato, tem sido maravilhosa. Descreveu também que sempre curtiu todas as fases de sua vida, seus filhos, e que agora quer curtir a terceira idade.

 

[...] Eu ‘to’ achando muito bom. Até agora ‘tá’ maravilhoso. [...] “Pra” mim “tá” sendo bom demais porque eu sempre curti muito todas as minhas fases, entendeu? [...] Deus é tão perfeito, tão perfeito, fez tudo muito perfeito. É só você saber usar essa perfeição que Ele nos deixou. Tem um período “pra” tudo, entendeu? E é curtir muito, curtir muito cada dia, cada momento, entendeu?

 

 

[...] eu curti cada momento da minha vida, então eu quero curtir também a terceira idade, não quero: “Ahh ‘to’ velha, ‘to’ com depressão”, fico lá acunhada num canto, não, eu vou curtir a terceira idade, se tiver a quarta, se tiver a... (risos), “né”? Porque tem que ser assim [...]. Não pode parar, “né”?

 

Porém, apesar disso, parece que a “ficha não caiu”, pois ainda é muito ativa. Laura, além de cuidar da casa e de frequentar a UnATI, é ministra da eucaristia, coordena um grupo na igreja, e faz crochê, tricô.

Também, assim como José, negou em certos momentos estar nessa fase: “Eu não parei ainda sabe ‘pra’ pensar, tal, terceira idade o que que é. Antigamente se dizia: ‘É pra ir dançar, é pra curtir o Clube do Vovô’ ‘né’? Eu ainda não ‘to’ assim ainda não”.

 

Mudanças ocorridas após o ingresso na UnATI:

 

            Todos os entrevistados demonstraram que a mudança mais significativa ocorrida após o ingresso na UnATI foi o aumento de suas relações sociais. Eles passaram a se relacionar com pessoas da mesma idade, com interesses em comum e que procuravam a mesma coisa: a continuidade do conhecimento.

            João disse que houve melhoras na qualidade de vida, na sua vida psicológica, no aprendizado e no convívio social. “O que mudou mais é o convívio mesmo, o convívio e mais os conhecimentos que a gente vai pegando ‘né’?”.

            Augusto demonstrou que, após o ingresso na instituição, passou a ter uma visão mais ampla da vida, percebendo os idosos como mais abertos, “renascidos”.

 

E a UnATI foi um renascer, muitos entraram, como se diz, meio temerosas, inibidas e com o passar do tempo ficaram abertas e inclusive chegaram ainda em plena sala de aula a expor coisas pessoais, problemas íntimos e partir também da discussão com o professor é... linguagem aberta, e falavam, cada um apresentando seus problemas, buscando soluções, uma coisa maravilhosa. 

 

                Isabel, apresentando um discurso semelhante aos demais quanto a essa categoria, disse que, a partir do seu ingresso na UnATI houve a possibilidade de encontro com pessoas do mesmo grupo, que possuem características semelhantes, além da busca pelo conhecimento. Ela apontou que, quanto à quantidade de atividades realizadas durante o dia, sua vida não mudou muito, já que ela sempre teve uma vida muito agitada. Mas com o ingresso na instituição, passou a participar de atividades desenvolvidas dentro da Universidade, que proporcionaram uma maior gama de relações, com pessoas diferentes das que costumava se relacionar. Além disso, ela destacou as várias vantagens que encontrou sendo aluna da UnATI:

 

[...] de um jeito ou de outro vai ser bom e se não for bom, pelo menos você vai ter um registro acadêmico e vai ter direito a você comer no R.U., participar da farmácia, a biblioteca, principalmente, e andar por esses corredores da UEM que você descobre tanta coisa... Sabe? 

 

            Isabel contou, também, que reencontrou na UnATI amigos de infância que não via há muitos anos:

 

 Eu reencontrei amigos de infância, por incrível que pareça, pessoas com quem eu estudei, que eu morei aqui em S. João do Caiuá e que “tão” morando aqui. Então, pessoas que eu convivi até os dez anos, fazia cinquenta anos que eu não via, e agora tá no curso junto.

 

            Norma contou que sua vida mudou muito depois que passou a frequentar a instituição, que antes apenas ficava em casa e agora tem a oportunidade de sair, conhecer pessoas diferentes, conversar, ter novas ideias. Ela disse que, agora, sua “cabeça está aberta” e declara: “(...) eu comecei a me sentir mais entrosada na sociedade, compreender mais as coisas, que eu era mais dona de casa e vó, isso ‘aí’ na rotina que a gente tinha que mudar, isso ‘aí’ me favoreceu muito, minha cabeça abriu (...)”.

            Norma ainda declarou que se sente muito feliz, que agora tem uma vida própria, com interesses e compromissos próprios e que não tem apenas responsabilidades perante seus filhos e netos: (...) tudo vem melhorando, tudo vem, vem tirando aquele negócio de mamãe, dona de casa, vovó, esperar genro, nora, ‘cê’ tem uma vida particular agora ‘né’? (...).

            Laura contou que, ao ingressar na UnATI, percebeu que ainda pode cursar uma faculdade, independente de quantos anos tenha. Segundo ela, a instituição foi a responsável por sua recuperação de uma leve depressão.

 

[...] a UnATI me levantou, a UnATI foi tudo ‘pra’ mim. [...] E fica no seu inconsciente, assim: ‘Poxa eu gostaria de ter feito uma faculdade, mas ‘num’ foi possível mais jovem ‘né’? [...] Então voltou aquele desejo sabe de ‘Poxa eu ainda consigo, ainda posso’, independente de quantos anos eu estou. Então isso foi, é tudo de bom, tudo de bom, e eu espero ainda ser melhor ainda, cada vez melhor.

 

 

Conclusão

 

A partir da pesquisa realizada com os cinco idosos, alunos da Universidade Aberta da Terceira Idade, foi possível perceber que alguns deles trouxeram em seus relatos concepções pejorativas da velhice, percebendo-a como uma fase de passividade, enfatizando limitações e aparecimento de doenças, apesar de todos os idosos se considerarem ativos. Além da visão estereotipada da velhice, também se encontrou nos relatos certa negação, por parte de alguns idosos, em reconhecer-se nessa fase. Essa visão vai ao encontro do que Alves Junior (2004) relata quando afirma que na atualidade o termo velho tem sido usado mais como algo pejorativo do que lisonjeiro. Isso porque a velhice é associada mais a desvantagens do que vantagens, o que encoraja as pessoas a se afastarem desse processo.

Percebe-se que, a despeito dessa concepção comumente associada à terceira idade, a UnATI surgiu na vida dessas pessoas como uma grande oportunidade de inserção social, permitindo que sejam preservadas as funções cognitivas e a auto-estima. As atividades multidisciplinares realizadas por esta instituição possibilitam que as pessoas que se encontram na terceira idade possam continuar elevando suas capacidades físicas, mentais e sociais, além de estarem frequentemente inseridas em práticas e discussões que abordem a saúde de sua faixa etária, bem como a saúde coletiva e políticas públicas que estejam voltadas a uma melhor qualidade de vida da população idosa.

 

Referências

 

ALVES JUNIOR, E. D (2004). Procurando superar a modelização de um modo de envelhecer. Revista Movimento, Porto Alegre, v.10, n.02, p. 54-71.

 

 

ARAÚJO, L.; SÁ, E.C.do N; AMARAL, E. de B. (2011). Corpo e Velhice: Um estudo das Representações Sociais entre homens idosos. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, Brasil: CFP, v. 3, n. 31. p. 468-479.

 

 

BRASIL. Ministério da Saúde. (2003). Estatuto do Idoso. 1ª ed. Brasília. 7 p. Disponível em: <http://www.assistenciasocial.al.gov.br/legislacao/legislacao-federal/est.%20de%20idoso.pdf>  Acesso em: 22  mar. 2011.

 

 

COLTRO, A. (2000). A fenomenologia: um enfoque metodológico para além da modernidade. Caderno de Pesquisa em Administração, 1, 37-45. Retirado em 20/04/2011 de http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C11-ART05.pdf

 

 

DOLL, J. (2007). Educação, cultura e lazer: perspectivasde velhice bem-sucedida. In: NERI, A.L. (Org.). Idosos noBrasil: vivências, desafiose expectativas na terceira idade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; Edições Sesc/SP, p. 109-124.

 

 

LIBERATO E. M. (1996).  Educação continuada e Faculdade da Terceira Idade. In: A Terceira Idade. Nº 12, Ano IX, Ago, São Paulo: SESC, pp.11-16.

 

 

NEURÓTICOS ANÔNIMOS - N/A. Disponível em: <http://www.neuroticosanonimossp.kit.net/>. Acesso em: 16 nov. 2011.

 

 

PARA quem é o Amor-Exigente? Disponível em: <http://www.aemaringa.com/amor-exigente/para-quem-e-o-amor-exigente.html>. Acesso em: 16 nov. 2011.

 

 

SALGADO, M. A. (1982) Velhice, uma nova questão social. 2. Ed. São Paulo: Serviço Social do Comércio. (Série Terceira Idade, 1)

 

 

SIQUEIRA, R. L.; BOTELHO, M. I. V.; COELHO, F. M. G. (2002) A velhice: algumas considerações teóricas e conceituais. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n.7, p. 899-906.

 

 

VERAS, R. P.; CALDAS C. P. (2004). Promovendo a saúde e a cidadania do idoso: o movimento das Universidades da terceira idade. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.2, n.9, p. 423-432.

 

 

 


[1] Todos os nomes dos colaboradores da pesquisa são fictícios a fim de preservar suas identidades.

[2] Grupo de apoio para famílias que apresentam dificuldades nos seus relacionamentos interpessoais, geralmente relacionadas ao uso de álcool e drogas.

[3] Programa de recuperação a pessoas que sofrem de doenças psíquicas, como ansiedade e depressão.

[4] Centro de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana, em parceria com a Universidade Estadual de Maringá.

[5] Programa Interdisciplinar de Pesquisa e Apoio a Excepcionalidade da Universidade Estadual de Maringá.

[6] Núcleo de Estudos de Mobilidade e Mobilização vinculado à Universidade Estadual de Maringá.


Palavras-chave


UnATI; velhice; vivência

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