Última alteração: 2012-07-22
Resumo
A identidade social parece caminhar cada vez mais em desacordo com a possibilidade do indivíduo olhar-se e ser visto segundo sua própria singularidade. Na complexidade e acirramento da lógica da cultura de massas, a primeira forma de compulsividade a ser destacada relaciona-se a amplitude e alcance do que se entende por consumo. O consumo, segundo a lógica capitalista, deveria responder sempre a uma necessidade, gerando procura (demanda) e determinando a partir daí o valor as coisas.
No mundo dos consumidores as possibilidades são infinitas, pois o volume de objetivos sedutores à disposição nunca poderá ser exaurido. As receitas para boa vida e os utensílios que a elas servem tem data de validade, mas muitos cairão em desuso bem antes dessa data, apequenados, desvalorizados e destituídos de fascínio pela competição de ofertas novas e aperfeiçoadas. (BAUMAN, 2001, pág. 86).
Para Bauman (2001) o indivíduo, expressa a si mesmo através de suas posses, contaminando, distorcendo a imagem de si mesmo. Este mundo de aparências é idealizado pelo sucesso.
O desejo motivado pelo consumo, simplesmente pelo consumir propriamente dito, como força motriz, é substituído pelo querer, um querer compulsivo, um comprar casual. Bauman (2001) assinala ainda que esta compulsão a comprar torna-se vício, disfarçando, por assim dizer a própria compulsividade, tornando difícil sua percepção.
No entanto, o que faz as pessoas consumirem? O consumo é um fenômeno psicológico, enfatizado pelas emoções surgidas durante o consumo. Na compulsão, há uma ação, pensamento ou uma seqüência complexa de comportamentos, determinados por uma força interna imperativa, incapaz de se dominar, ocorre pela ausência ou insuficiência de elaboração psíquica, provocando um estado de desamparo e, em alguns casos, constrangimento, em outros, compensação e alívio ou ainda, a combinação de constrangimento e alívio.
Diante deste contexto, nos perguntamos quais são os elementos identificadores de processos compulsivos na sociedade? Será que o comportamento compulsivo é influenciado através do período em que estamos vivendo? A partir destes questionamentos nosso objetivo com este texto é fazer uma reflexão teórica relacionando cultura contemporânea e psicologia, levantando elementos identificadores da forma de processo compulsivo por compras, cada vez mais frequente na atualidade. Assim, os procedimentos metodológicos do nosso trabalho caracterizou-se em natureza pura e qualitativa, possuindo como método de estudo a revisão bibliográfica. No referencial teórico, abordaram-se conceitos relevantes que respaldaram o assunto pesquisado. Foram utilizados para a obtenção dos dados da pesquisa, livros científicos, artigos publicados, material online, referente ao tema para uma fonte segura de revisão bibliográfica.
De acordo com Solomon (2002) o impulso para comprar é temporário e concentra-se em um determinado produto em certo momento. De forma diferente, o comprar compulsivo é um comportamento persistente centrado no processo de comprar, e não nas compras propriamente ditas.
Ao relacionar cultura contemporânea e psicologia levantamos elementos que identifiquem as origens para a discussão e compreensão deste amplo espectro de compulsões, por assim dizer, expresso em comportamentos dos mais diversos, muitas vezes difíceis de serem identificados à primeira vista.
Atualmente nossa subjetividade vem sendo afetada especialmente pelo aumento de exigências em nosso dia-a-dia, do desempenho em consonância com a agilidade das esferas financeiras e produtivas. Por trás dessas exigências a mídia passou a desempenhar um papel mais determinante, influenciando e formando opiniões, na geração de valores atrelados fundamentalmente aos interesses das grandes redes financeiro-produtivas, daquilo que consumimos.
Estas características são reflexos do período da contemporaneidade. Uma explicação para isso reside justamente nessa nova etapa de desenvolvimento do capitalismo, globalizante, caracterizado pela velocidade e excesso, onde se desdobram exigências de mobilidade, agilidade, eficiência e eficácia, que interferem no que é valorizado pela cultura de massas. Sendo assim, de certa maneira, alguns dos sintomas compulsivos têm origem na vida moderna.
A partir das teorias levantadas e analisadas, verificou-se que os processos de transformações sociais e tecnológicas vêm nos afetando a ponto de novos fenômenos de ordem psíquica surgirem. Com isso, essas mudanças que interferem em nosso cotidiano, nas relações e, especialmente, em nossa vida interior, nossa subjetividade.
A pós-modernidade configura-se num apelo à velocidade, à constante produção, ao contínuo consumismo. Os objetivos a serem perseguidos são frágeis e mudam com muita frequência. O mundo contemporâneo é recheado de interrupção, instantaneidade, incoerência, surpresa e permeado de estímulos que são constantemente renovados.
Desta forma, nossas instituições, quadros de referencia, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades auto-evidentes. (Kleger, 2006)
Geralmente os motivos inconscientes estão associados com algum mecanismo de defesa psicológica, não queremos admitir as razões e por isso ficam guardados no nível do inconsciente. A Teoria do Inconsciente permite-nos entender o ser humano de uma forma mais profunda. As necessidades básicas instintivas como os impulsos, desejos e fantasias, que todos temos internamente desde a infância, procuram uma maneira de se expressar”. (Mednicoff, 2008, p.60).
Sendo assim, a compulsão ou processos compulsivos trata-se de uma resposta da mente e do corpo, onde se desenvolve alguma reação ou resposta compensatória ou defensiva de algo que nos afeta e nos causa, sendo que não é perceptível conscientemente, senão superficialmente. Processos compulsivos demandam, portanto, um trabalho clínico longo e dispendioso, que nem sempre se obtêm resultados, nessa modalidade de sofrimento humano, por assim dizer.
Bauman (1997) aponta que essa sociedade promove a satisfação imediata e a novidade acima da permanência. No entanto, essa busca, se tornou um ideal inalcançável.
Partindo do pressuposto que a subjetividade humana é construída a partir de articulações das relações culturais com a história individual, atualmente nota-se o aparecimento de novas patologias atreladas ao consumismo, que podemos citar como exemplo o comportamento compulsivo por compras. (Kleger, 2006)
Com base neste estudo, podemos constatar alguns elementos identificadores da forma de processos compulsivos, como o mal-estar contemporâneo da sociedade, respaldando-se na perda de sentido da vida, a sensação de irrealidade, a futilidade da existência, a crise da identidade e o medo do aniquilamento.
Concluímos que ao investigar sobre a interface entre a compulsão e a contemporaneidade, os resultados mostraram uma sociedade caracterizada como vulnerável e influenciada pelo capitalismo, onde cada vez mais frequente apresenta a compulsão por comprar.
A compulsividade tem um amplo espectro nos dias de hoje justamente porque suas características revelam-se por meio de situações que as pessoas desconhecem, afetadas em sua subjetividade. Nesse sentido, os herdeiros dessa etapa da era moderna ou pós-moderna para alguns, caracterizam-se pela fragmentação ou descontinuidade, pelo empobrecimento do pensamento, desagregação, desenraizamento, superficialidade em vários âmbitos.
Vivemos o paradoxo de um narcisismo cultural, o culto de uma individualidade exacerbada e, ao mesmo tempo, um esmagamento do eu, o sofrimento da necessidade de expressão da singularidade. A velocidade e excesso dos dias atuais afetam cada vez mais nossa subjetividade. Parece que temos cada vez menos tempo e espaço para a possibilidade de buscarmos nossa singularidade. Falta tempo e espaço, propícios ao ritmo humano, por assim dizer. Nosso tempo de possibilidade de elaboração, constituição e entrelaçamento de sonhos, memórias, pensamentos, cada vez mais estão sendo afetados.
Contudo, vamos perdendo aquilo que talvez nos seja mais precioso, a apropriação de nosso tempo, caracterizado principalmente pela ausência de reflexão. Um tempo que tem ritmo, som, “música do silêncio”. Quanto a este último, referimos metaforicamente à música da psique, possível a partir da quietude, do contato com nossa respiração, com a possibilidade de reconectar nossa imaginação, nossas imagens. As imagens são sempre a possibilidade de elaboração, de nos ordenarmos, assimilarmos e apropriarmos do movimento de nossa psique. As imagens são representações, símbolos, aquilo que evocamos em busca de sentido e significado. É algo anterior mesmo à linguagem, refere-se à plasticidade da alma, de seus deslocamentos em diálogo com o corpo próprio e à constituição do próprio sujeito, de sua singularidade a partir da relação, do cuidar, acolher, comunicar-se com o outro.