Portal de Eventos - UEM, II Seminário de Pesquisa em Análise do Comportamento: Práxis em Análise do Comportamento

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Um retorno a Prometeu
José Antônio Damásio Abib

Última alteração: 2019-06-14

Resumo


Psicologia deve ser teoria, prática e técnica. A teoria e a prática delimitam a esfera do Homo Sapiens, o refletido; a técnica delimita a esfera do Homo Faber, o irrefletido. Vivemos na idade da técnica, na qual o Homo Faber ascende e o Homo Sapiens declina, a teoria e a prática declinam, a técnica domina, o irrefletido dá as cartas, e a técnica torna-se prática, prática técnica, não prática ética, não prática política. A fisionomia dessa Idade já fora anunciada no evento que marca seu nascimento: o nazismo, no qual o extermínio de todo um povo tornou-se uma questão de execução: um problema técnico. Nesse momento a técnica adquire uma autonomia que não tinha na idade pré-tecnológica. Na idade pré-tecnológica a técnica era limitada por reflexões éticas, morais e políticas. Vigorava nessa idade a concepção instrumentalista e uma certa neutralidade da técnica: a técnica é um meio que pode ser usado para o bem ou para o mal, porém pode ser proibida se for usada para o mal. Na idade da técnica, a técnica deixa de ser meio e passa a ser finalidade, perdendo sua pretensa neutralidade. A transformação da técnica de meio a fim pode ser esclarecida por uma aproximação com Marx, quando ele discute o dinheiro, que de meio para produzir bens e satisfazer necessidades passa a ser o único fim em um sistema capitalista. Não vivemos em um ambiente ou em um mundo em que às vezes usamos a técnica para o bem e às vezes para o mal, não vivemos em um mundo de neutralidade técnica; ao contrário, vivemos em um mundo de finalidades técnicas, um mundo que silencia a práxis ética e a práxis política, um mundo, portanto, que não comporta a noção de neutralidade técnica. Esse mundo em que “a técnica é o nosso mundo” é um mundo fáustico. É o mundo da tecnociência contemporânea – um modelo de pesquisa em que a ciência alimenta a técnica e a técnica alimenta a ciência. O mundo da tecnociência também transgride os limites éticos e sagrados da pesquisa científica que eram respeitados em um mundo prometeico, no qual vigorava não só a concepção de ciência pura dedicada ao estudo da natureza e da cultura, bem como a visão instrumentalista da técnica com vistas ao aperfeiçoamento da humanidade. Em um mundo prometeico vigorava a episteme aristotélica, a tripartição do conhecimento em teoria, técnica e prática, prática ética, prática política; a teoria como a forma mais elevada de conhecimento, a prática como ação, ação ética, ação política, a técnica como produção, como fabricação, orientada pela ação. Em um mundo fáustico, a episteme tende a ser reduzida à técnica, seja porque a teoria perde sua importância em um mundo técnico, seja porque a ética e a política são ignoradas pelo fazer técnico. Na idade da técnica a teoria e a prática tendem a desaparecer. A ascensão do Homo Faber e o declínio do Homo Sapiens parecem incontestáveis. É preciso retornar a uma psicologia que seja teoria, prática e técnica, o que significa retornar a um mundo prometeico. Em um mundo fáustico, psicologia é técnica. Regressar a Prometeu é regressar ao refletido; prosseguir com Fausto é prosseguir com o irrefletido. Parece, portanto, que há mais esperança no futuro do passado do que no futuro do presente.



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